Por Verônica....
Enquanto explicava as tarefas do dia, percebi que, no fundo do galpão, ela não estava prestando a menor atenção. Seu olhar estava fixo… e, quando percebi onde exatamente, precisei me segurar para não rir.
Olhei diretamente para ela, depois para a direção que seus olhos apontavam, e confirmei minhas suspeitas. Então devolvi apenas um sorriso discreto com os olhos, como quem diz: te peguei.
A reação dela foi imediata: ficou sem jeito, vermelha, como se tivesse sido flagrada no pior dos crimes. Por dentro, eu mesma precisei conter a vontade de rir da cena. Era engraçado demais ver alguém implorar, em silêncio, por um buraco no chão para se esconder.
— Então, pessoal… — chamei a atenção de todos ali, ou quase todos — Esse é o Bruno, nosso novo colaborador. Ele ficará responsável pelo açougue.
Enquanto todos davam as boas-vindas, percebi Clara no fundo do galpão, olhando curiosa para Bruno. Por algum motivo, aquilo me deixou um pouco desconfortável, embora eu não conseguisse explicar exatamente por quê.
— Hoje, o Bruno irá desossar a peça bovina que chegou ontem. — Todos prestavam atenção, mas eu estava parcialmente distraída observando Clara.
Ela tentava alcançar a garrafa de café no topo da prateleira, esticando-se como se cada músculo pudesse conspirar a seu favor. Ficava na ponta dos pés, balançando levemente para frente e para trás, e eu juro que minha risada ameaçava escapar em plena reunião. Era impossível não admirar com tanta dedicação — e impossível não rir por dentro do desespero elegante da cena..
Deixei Igor com a palavra e fui ajudá-la antes que sua tentativa mirabolante terminasse em desastre. Meu irmão percebeu e apenas assentiu, sem imaginar o efeito que aquela simples garrafa e a determinação de Clara estavam causando em mim.
— Espera, Clara, deixa eu pegar isso pra você — disse, segurando a garrafa antes que ela tentasse de novo.
— Estava quase conseguindo! — respondeu, surpresa e um pouco emburrada, como se eu tivesse roubado seu momento de glória.
— Eu vi mesmo… — disse, rindo suavemente — Vi você olhando diretamente para… — mas parei, porque o modo como ela desviou o olhar me fez segurar outra risadinha. Havia algo engraçado naquela situação, e eu não queria estragar o momento.
— Vê… Verônica, eu… eu, bom… estava apenas… — gaguejou, tentando explicar, e eu agradeci mentalmente ao Igor por prender a atenção dos outros funcionários lá fora, impedindo que alguém testemunhasse nosso pequeno embaraço.
— Eu só estava prestando atenção ou… tentando acompanhar o que você dizia. — Suas palavras saíam meio atrapalhadas, e eu percebia, sem querer, como ela ficava desconcertada. Não pude evitar notar o charme que emanava de seu desespero: aquele olhar ainda preso no meu rosto me deixava totalmente vulnerável.
Para quebrar a tensão antes que alguém notasse, dei um passo atrás, contra minha própria vontade, tentando disfarçar a diversão e a curiosidade que me consumiam.
— Bom, dona Clara, não sei sobre o que você está falando, mas… — disse, apontando para uma cadeira abandonada no fundo do galpão, com um sorriso leve — Estava me referindo à cadeira.
Ela soltou um suspiro de alívio, claramente agradecida.
— Claro, a cadeira! — disse, mais calma agora. — Eu realmente estava pensando em pegar aquela cadeira. Ainda bem que você percebeu! Era bem provável que eu acabasse no chão…
Não consegui me conter e soltei uma risada nasal. Ela me olhou, ainda um pouco sem jeito, e bufou:
— Que foi? — perguntou, já ficando levemente irritada, mas sem perder o humor. — Ah! Me dá essa garrafa antes que o café esfrie!
E assim, entre risadas contidas, tropeços discretos e pequenas distrações, percebi que havia algo diferente naquele instante. Nada declarado, nada explícito — apenas uma sensação leve, curiosa, de que talvez estivessem começando a notar uma à outra de um jeito diferente, sem pressa.
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