domingo, 27 de julho de 2025

O acaso a meu favor - Página 44

Por Verônica...

Hoje decidi abrir o mercado junto com a turma da manhã. Quero acompanhar de perto a finalização da obra — e, principalmente, do açougue.

Junto com a ansiedade de ver tudo pronto, vem também o estresse por nem tudo sair como planejado. A entrega dos freezers e da câmara fria principal já deveria ter acontecido há três dias... e até agora, nada.

Consegui adiantar a entrega de algumas mercadorias que vão dar vida ao açougue e mostrar o que ele realmente é — mas nem tudo depende da nossa vontade. Existe toda uma logística por trás: outras entregas, motoristas que precisam voltar para suas casas, prazos que precisam ser cumpridos.

Tudo tem seu tempo. 

Ao abrir uma das portas, algo me salta aos olhos como um alerta: a ausência da operadora de caixa. Hoje, pelo menos, eu já sabia que não seria a Clara — está de folga. Mas... e a titular do turno?

Meus olhos percorrem o salão. Os repositores já caminham com agilidade para a ala onde batem o ponto, concentrados, organizados, prontos para mais um dia. O mercado está prestes a ganhar vida. Mas a minha cabeça só repete uma pergunta, insistente, quase martelando: Cadê a operadora de caixa?

Olho para o relógio. 7h10. O tempo parece ganhar peso, como se cada segundo atrasado aumentasse a pressão no meu peito. Volto o olhar para o Augusto — ele já está com o celular no ouvido, tentando contato com a funcionária escalada.

E aí, sem aviso, sinto o estresse subir feito uma onda, invadindo meu consciente, misturado com frustração, preocupação... e aquele medo silencioso de que o dia, mais uma vez, esteja começando com um pé fora do lugar. 

Abro o aplicativo de mensagens, aquele grupo que criei justamente para evitar desencontros: escalas, avisos, comunicados... tudo ali. Rolo a tela com pressa e abro a escala que o Augusto enviou ontem mesmo. E lá está: Juliana — das 7h00 às 15h00.

E, claro. Claro que tinha que ser ela.

Uma mistura de frustração e exaustão me atravessa. A Juliana. Justo ela. Já devia ter desconfiado.

Passo os olhos pela escala mais uma vez e vejo que uma das meninas novatas está de folga hoje, junto com a Clara. E a verdade me incomoda de imediato: seria um absurdo ligar para qualquer uma das duas em plena folga para cobrir a irresponsabilidade da Juliana. Não é justo. Nem profissional.

Mas o relógio não para. O mercado precisa abrir. E eu, mais uma vez, estou aqui — tentando consertar o que outros insistem em quebrar.

Em silêncio, faço uma oração. Não de desespero — mas de agradecimento. Gratidão por estar, enfim, me livrando dessa menina. Juliana já deu o que tinha que dar. E, se tudo correr como o previsto, em poucos dias não fará mais parte da equipe.

Respiro fundo, tento não deixar a irritação dominar, e sugiro ao Augusto:
— Liga pra Diana.

Diana é nova, entrou tem apenas uma semana. Mas lembro perfeitamente dela no dia da entrevista — o jeito firme, o olhar que misturava humildade com urgência. Ela precisava da vaga. E até agora, vem mostrando compromisso. Não me decepcionou... ainda. Mas também sei: uma semana é cedo demais pra dizer qualquer coisa.

Mesmo assim, em momentos como esse, é nas peças recém-chegadas que a gente precisa apostar. Porque tem gente que entra querendo fazer parte. E tem gente que, mesmo estando há meses, nunca fez questão.

Vejo no rosto do Augusto o que já está claro: a frustração também começou a tomar conta dele. Pela expressão, pelo suspiro pesado... já sei. Ele não conseguiu contato com a Diana.  

E nesse momento, a única solução que nos resta me engasga por dentro: Clara.

Ela, que está de folga. Ela, que já fez mais do que devia. Ela, que merecia descansar hoje.

Sinto um misto de raiva e frustração me subir como uma febre. Me revolta saber que mais uma vez vou ter que tirar a Clara do conforto da casa dela, do merecido descanso, pra cobrir o que outra pessoa tinha obrigação de fazer.

Isso me deixa possessa.

É como se, no fim das contas, quem é responsável acaba sempre pagando pelos erros dos outros. E, pior: a gente se acostuma com isso. Aprende a contar com os certos pra lidar com os errados.

Mas hoje… hoje isso está me engasgando de um jeito diferente.

Próxima página - O acaso a meu favor ...Página 45

Nenhum comentário:

O acaso a meu favor - Página 74

  Continuação — O beijo… por Verônica O “quase” entre nossas bocas dura longos segundos — segundos que esticam o mundo, que dilatam o ar ao...