Continuação por Verônica...
A única solução, por ora, foi deixar o Augusto no caixa. Um imprevisto. Uma gambiarra emocional e operacional. Enquanto isso, eu tentava contato com alguma das meninas — qualquer uma que pudesse vir.
Mas a cada dez minutos, parecia que o mundo desabava um pouco mais:
Notas se acumulando, mercadorias chegando de outros setores, entregadores batendo na porta... E eu ali, no meio de tudo, com a sensação de que não tinha mais olhos nem ouvidos suficientes pra tomar conta de tanta coisa ao mesmo tempo.
Me sentia em mil lugares — e ao mesmo tempo, em lugar nenhum.
No meio desse caos, me agarro a um pensamento que me dá um mínimo de alívio: Igor volta hoje. Com a Lia.
E eu não vejo a hora. Não vejo a hora de dividir esse peso, de ter um apoio firme, alguém que entenda a responsabilidade que é administrar essa empresa. Alguém que não fuja. Que esteja no mesmo barco, remando na mesma direção.
Porque por mais que eu seja forte, tem dias — como hoje — que o cansaço fala alto. E eu só preciso de alguém que me ajude a continuar firme.
Estamos contando com a inauguração do açougue agora em julho. É a nossa chance de respirar. Um possível alívio financeiro, uma virada. A oportunidade de, finalmente, reajustar essa empresa de vez e colocá-la no rumo certo.
E é com esse pensamento — meio esperança, meio desespero — que me vejo dividida por dentro.
Me culpo. E como me culpo.
Mas hoje, com o coração apertado, coloco a empresa em primeiro lugar. Não porque quero. Mas porque preciso.
Procuro o número da Clara na agenda. Minhas mãos até sabem o caminho, mas meu peito hesita. Entro no escritório. Fecho a porta atrás de mim. O clique seco da maçaneta ecoa como um lembrete de que estou sozinha nessa decisão.
Fico ali por alguns segundos, parada. Em silêncio. Procurando coragem. Coragem pra ligar. Coragem pra pedir o que não deveria ser pedido. Coragem pra tirar alguém da sua folga — de novo — por conta da irresponsabilidade de outra.
Respiro fundo. O telefone na mão pesa mais do que parece. Porque hoje, mais do que nunca, sei o quanto custa liderar.
Respiro. E ligo.
O coração bate forte, como se cada toque do telefone fosse um lembrete de que eu não queria estar fazendo aquilo.
Primeiro toque.
Segundo.
Terceiro.
No quarto toque, ela atende.
A voz ainda carregada de sono. Suave. Baixa. Real.
E naquele instante, meu mundo encontra o melhor som que meus ouvidos poderiam ouvir.
Não percebo de imediato que estava prendendo a respiração. Só quando ela diz “Alô?” é que o ar finalmente sai, como se tivesse segurado o peso do universo nos pulmões.
Fico em silêncio por um segundo a mais. Talvez dois. Não por falta de palavras, mas por sentir demais.
Não sei se estou admirando a leveza daquela voz, mesmo sonolenta... ou se só estou tentando absorver o alívio de saber que, mais uma vez, posso contar com ela.
Demoro um pouco a responder. Não por fraqueza, mas porque naquele breve momento, tudo parou.
E pela primeira vez no dia, não me senti sozinha.
— Oi, Clara... — minha voz sai num tom quase baixo demais. Como se eu não quisesse acordá-la por completo.
Ouço o som dela se espreguiçando, e quando menos percebo, estou sorrindo. A imagem vem fácil à mente: Clara, embolada no lençol, os cabelos bagunçados, os olhos ainda pesados de sono...
E aquele som tão simples, tão humano, acalma por um instante a tempestade que vem me consumindo desde o início da manhã.
— Verônica... tudo bem? — pergunta, com a voz arrastada, ainda sonolenta.
Me pego rindo, meio admirada. Mesmo meio dormindo, ela ainda se preocupa comigo.
— Juro que se eu pudesse, não estaria te incomodando a essa hora... — minha voz vacila. Um suspiro escapa. — Muito menos na sua folga.
Um silêncio curto, mas denso, atravessa nossa ligação. Desses que dizem tudo sem precisar dizer nada.
Mas logo vem a voz dela, mais desperta, com um tom atento:
— Aconteceu alguma coisa? — Clara pergunta, agora em alerta.
Tento puxar o ar fundo, buscando equilíbrio antes de despejar tudo que está me pesando.
— Tá tudo sob controle... ou quase — respondo, tentando aliviar a tensão. — A Juliana não apareceu. Nenhuma notícia. O Augusto tá no caixa quebrando galho, eu tô tentando administrar mil coisas de uma vez…
Pauso por um instante.
— E eu sei que você deveria estar descansando agora, mas… eu realmente preciso de você.
Silêncio de novo. Mas dessa vez, mais leve.
— Vê… me dá uns vinte minutos. Tô chegando.
E ali, naquela resposta simples, cheia de entrega, o peso no meu peito diminui. Não some, mas fica mais leve, porque sei que ela vem. Sei que posso contar.
Próxima página - O acaso a meu favor ...Página 46
Nenhum comentário:
Postar um comentário