domingo, 27 de julho de 2025

O acaso a meu favor - Página 45

 Continuação por Verônica...

A única solução, por ora, foi deixar o Augusto no caixa. Um imprevisto. Uma gambiarra emocional e operacional. Enquanto isso, eu tentava contato com alguma das meninas — qualquer uma que pudesse vir.

Mas a cada dez minutos, parecia que o mundo desabava um pouco mais:
Notas se acumulando, mercadorias chegando de outros setores, entregadores batendo na porta... E eu ali, no meio de tudo, com a sensação de que não tinha mais olhos nem ouvidos suficientes pra tomar conta de tanta coisa ao mesmo tempo.

Me sentia em mil lugares — e ao mesmo tempo, em lugar nenhum.

No meio desse caos, me agarro a um pensamento que me dá um mínimo de alívio: Igor volta hoje. Com a Lia.

E eu não vejo a hora. Não vejo a hora de dividir esse peso, de ter um apoio firme, alguém que entenda a responsabilidade que é administrar essa empresa. Alguém que não fuja. Que esteja no mesmo barco, remando na mesma direção.

Porque por mais que eu seja forte, tem dias — como hoje — que o cansaço fala alto. E eu só preciso de alguém que me ajude a continuar firme.

Estamos contando com a inauguração do açougue agora em julho. É a nossa chance de respirar. Um possível alívio financeiro, uma virada. A oportunidade de, finalmente, reajustar essa empresa de vez e colocá-la no rumo certo.

E é com esse pensamento — meio esperança, meio desespero — que me vejo dividida por dentro.

Me culpo. E como me culpo.

Mas hoje, com o coração apertado, coloco a empresa em primeiro lugar. Não porque quero. Mas porque preciso.

Procuro o número da Clara na agenda. Minhas mãos até sabem o caminho, mas meu peito hesita. Entro no escritório. Fecho a porta atrás de mim. O clique seco da maçaneta ecoa como um lembrete de que estou sozinha nessa decisão.

Fico ali por alguns segundos, parada. Em silêncio. Procurando coragem. Coragem pra ligar. Coragem pra pedir o que não deveria ser pedido. Coragem pra tirar alguém da sua folga — de novo — por conta da irresponsabilidade de outra.

Respiro fundo. O telefone na mão pesa mais do que parece. Porque hoje, mais do que nunca, sei o quanto custa liderar.

Respiro. E ligo.

O coração bate forte, como se cada toque do telefone fosse um lembrete de que eu não queria estar fazendo aquilo.

Primeiro toque.
Segundo.
Terceiro.

No quarto toque, ela atende.

A voz ainda carregada de sono. Suave. Baixa. Real.
E naquele instante, meu mundo encontra o melhor som que meus ouvidos poderiam ouvir.

Não percebo de imediato que estava prendendo a respiração. Só quando ela diz “Alô?” é que o ar finalmente sai, como se tivesse segurado o peso do universo nos pulmões.

Fico em silêncio por um segundo a mais. Talvez dois. Não por falta de palavras, mas por sentir demais.

Não sei se estou admirando a leveza daquela voz, mesmo sonolenta... ou se só estou tentando absorver o alívio de saber que, mais uma vez, posso contar com ela.

Demoro um pouco a responder. Não por fraqueza, mas porque naquele breve momento, tudo parou.

E pela primeira vez no dia, não me senti sozinha.

— Oi, Clara... — minha voz sai num tom quase baixo demais. Como se eu não quisesse acordá-la por completo.

Ouço o som dela se espreguiçando, e quando menos percebo, estou sorrindo. A imagem vem fácil à mente: Clara, embolada no lençol, os cabelos bagunçados, os olhos ainda pesados de sono...

E aquele som tão simples, tão humano, acalma por um instante a tempestade que vem me consumindo desde o início da manhã.

Verônica... tudo bem? — pergunta, com a voz arrastada, ainda sonolenta.

Me pego rindo, meio admirada. Mesmo meio dormindo, ela ainda se preocupa comigo.

— Juro que se eu pudesse, não estaria te incomodando a essa hora... — minha voz vacila. Um suspiro escapa. — Muito menos na sua folga.

Um silêncio curto, mas denso, atravessa nossa ligação. Desses que dizem tudo sem precisar dizer nada.

Mas logo vem a voz dela, mais desperta, com um tom atento:

Aconteceu alguma coisa? — Clara pergunta, agora em alerta.

Tento puxar o ar fundo, buscando equilíbrio antes de despejar tudo que está me pesando.

— Tá tudo sob controle... ou quase — respondo, tentando aliviar a tensão. — A Juliana não apareceu. Nenhuma notícia. O Augusto tá no caixa quebrando galho, eu tô tentando administrar mil coisas de uma vez…

Pauso por um instante.

— E eu sei que você deveria estar descansando agora, mas… eu realmente preciso de você.

Silêncio de novo. Mas dessa vez, mais leve.

Vê… me dá uns vinte minutos. Tô chegando.

E ali, naquela resposta simples, cheia de entrega, o peso no meu peito diminui. Não some, mas fica mais leve, porque sei que ela vem. Sei que posso contar.


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