Ao ouvir o que ela pediu — pedido não, sentença — um sorriso nasce no canto da minha boca. Discreto. Pequeno. Invisível para ela, claro. Verônica nunca pode saber o quanto me afeta.
Enquanto seguimos em direção ao que eu acreditava ser minha casa, fico pensando em como minha vida virou completamente — da água para um bom vinho.
Até pouco tempo atrás, eu me arrastava por dias cinzentos, presa a um relacionamento com a Camila, convencida de que nunca superaria o fim. Que nunca mais confiaria em alguém.
E então… aparece Verônica.
Fria, metódica, incapaz de pedir por favor.
E, ainda assim, me obrigando — sim, obrigando — a confiar de novo.
Esse pensamento me faz sorrir mais.
Quase rio.
Me vejo sempre presa a situações que fogem do meu controle, mas desta vez… pela primeira vez… eu me sinto bem.
De um jeito que não sei explicar.
Mas sei que vem dela.
— Do que você está rindo?
A voz dela corta o ar, seca, desconfiada.
E naquele instante tudo o que levei semanas para reorganizar dentro de mim desmorona, porque… claro.
Uma mandona surge na minha vida e resolve bagunçar tudo outra vez.
Balanço a cabeça, negando.
“Nada importante." Ela não parece convencida. Apenas continua dirigindo, ainda emburrada, com aquela expressão dura que não admite contestação.
A vejo parar em frente a uma lanchonete bem conhecida no centro da cidade. Ainda com a cara emburrada, ela apenas murmura um “Me espere, já volto”. Eu, ainda me divertindo com a situação, apenas assinto com a cabeça e observo ao redor a pequena praça Mestre Orlando.
Não demorou muito. Ela, agora com a expressão menos fechada, abre a porta do carro e, de maneira ainda contida, diz:
— Comprei algo pra gente comer.
Vejo-a colocar as sacolas no banco de trás e seguir em direção ao que eu achava ser minha casa.
Depois de alguns minutos pela cidade, reconheço a avenida que leva até minha casa — mas vejo Verônica virar para o lado oposto.
Meu estômago aperta.
— Verônica, você passou da minha rua. — aviso, tentando não demonstrar o desconforto.
Ela mantém aquele olhar meio psicopata que faz quando está irritada: sobrancelhas tensas, maxilar travado, olhos fixos na estrada.
Mas sei que ela me ouviu.
Entramos em uma estrada mais afastada, a cidade ficando para trás.
Então ela finalmente vira o rosto para mim.
Os olhos encontram os meus, firmes, provocadores.
— O quê? Não me diga que está com medo de mim.
Engulo em seco.
Não por medo dela.
Mas porque não faço ideia de onde ela pretende me levar…
O carro segue pela estrada vazia, e a cidade já ficou pequena no retrovisor. A cada quilômetro, sinto meu coração bater mais forte, como se quisesse adiantar uma resposta que eu ainda não tenho.
Verônica não diz nada.
E isso, nela, é mais perigoso do que qualquer palavra.
O silêncio dela sempre parece cheio — como se estivesse calculando o mundo inteiro atrás daqueles olhos duros. Mas, agora, não é só isso.
Ela está… inquieta.
Tensa.
Quase vulnerável, embora jamais admitisse.
— Eu não estou com medo de você. — digo, mais para quebrar o ar pesado do que por coragem.
Verônica desvia o olhar da estrada por um segundo. Apenas um.
Mas é suficiente para me atravessar.
Há algo nos olhos dela… algo que queima e arrepia ao mesmo tempo.
Um desejo contido, uma preocupação que ela tenta mascarar, e esse jeito de me olhar como se quisesse me decifrar — ou me guardar.
Ela respira fundo, e a mão que antes estava rígida no volante relaxa, deslizando um pouco.
E então acontece — rápido, quase imperceptível.
Os dedos dela tocam os meus.
Não por acidente.
Não dessa vez.
Um toque suave, leve, mas firme o suficiente para que eu sinta cada nervo do meu braço desperto.
Meu corpo inteiro reage antes da minha cabeça entender.
Eu a encaro.
Ela finge que não percebe, mas o maxilar dela aperta; a respiração prende; o olhar dá aquela vacilada que já aprendi a reconhecer.
Ela está tentando ser fria.
Tentando manter o controle.
Mas o toque continua — e isso, vindo da Verônica, vale mais do que qualquer confissão.
— Clara… — ela diz meu nome de um jeito que nunca ouvi antes, grave, rouco, quase… íntimo.
Sinto meu estômago virar.
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