— Mas não… — respondo por fim, tentando manter a voz firme. — Mas a promessa que fizemos foi: se o acaso nos desse outra chance, se nossas vidas estivessem mais calmas do que da última vez… não nos privaríamos.
As palavras saem com uma sinceridade que nem eu esperava.
Vejo Verônica me encarar em silêncio — um olhar que mistura irritação, incerteza e algo que, por um instante, me faz querer recuar.
Mesmo achando graça da situação, sinto o coração apertar.
Medo.
Medo de perdê-la — mesmo sem nunca tê-la, de fato.
— Quando a conheci… — começo, e vejo o modo como ela imediatamente se endireita na cadeira, a atenção toda voltada para mim.
Engulo em seco antes de continuar.
— Tinha acabado de descobrir uma traição no meu último relacionamento… — falo baixo, como se as palavras ainda cortassem por dentro.
Verônica se vira completamente para mim, apoiando os cotovelos na mesa. Os olhos dela — antes tensos, agora mais suaves — me observam com uma curiosidade silenciosa, quase protetora.
Por um segundo, sinto que o ar entre nós muda.
Não há julgamento em seu olhar.
Só presença.
E isso, vindo dela, é quase perigoso.
Fico ali, tentando sorrir, mas algo em mim treme — porque sei que, naquele exato instante, Verônica não vê só a funcionária que trabalha no mercado.
Ela vê a mulher por trás das defesas, e isso me deixa nua de um jeito que não tem nada a ver com o corpo.
— E bom… — voltei a dizer, respirando fundo.
— Estávamos na nossa melhor fase. Em todas as áreas. Com promessas de casamento em cartório e tudo mais.
Falo sem raiva — não mais. Mas ainda há um sabor amargo, uma sombra antiga que insiste em ficar.
— Parecia loucura, pela pouca idade — continuo, mexendo distraidamente nas mãos. — Mas já estávamos juntas há dois anos. Achávamos que o tempo era suficiente para provar que o amor bastava.
Minha voz soa leve, quase distante, como se contasse a história de outra pessoa. Mas não era outra. Era a minha.
E, por algum motivo, ver o olhar de Verônica se tornando mais suave, mais acolhedor, me deu coragem.
Quanto mais eu falava, mais ela parecia me ouvir com o corpo inteiro — sem interrupções, sem pressa, como quem entende o que não se diz.
E isso… me fez querer tirar o peso do peito, mesmo que custasse um pouco da minha dignidade.
Olhei para o chão, sentindo o nó apertar.
— Na minha cabeça, nós estávamos bem resolvidas. Mesmo com os traumas, as discussões, as cicatrizes… eu ainda acreditava que o amor era suficiente.
Um sorriso sem humor me escapou.
— Mas descobri, da pior maneira, que não é assim que funciona. — murmurei, com um misto de tristeza e constrangimento pela própria ingenuidade.
Por um instante, o silêncio tomou conta da sala.
E foi ali, entre a lembrança e o alívio, que senti — com uma clareza quase cruel — que o olhar de Verônica sobre mim já não era o mesmo.
Ela me olhava diferente.
Com algo entre ternura e desejo.
E pela primeira vez, eu quis que ela não desviasse.
— E minha vida construída em dois anos, com tantas falsas expectativas, foi por água abaixo… — soltei um riso sem humor. — Como um castelo de areia sendo levado pela maré.
O som da minha própria risada ecoou fraco, quase como um alívio cansado.
— Às vezes fazem a gente acreditar que, quanto mais cedo encontramos o amor, mais valioso ele se torna — continuei, olhando para um ponto qualquer na sala, sem realmente vê-lo.
Fiquei um instante em silêncio, sentindo o ar pesado das lembranças.
— Mas eu… — suspirei, virando o rosto para ela. — Eu acredito que o que realmente dá valor a um sentimento, é o acaso.
Ri de leve, não por achar graça, mas pela ironia da própria frase.
Verônica me observava sem piscar, e havia algo no olhar dela que me fez continuar, quase num sussurro:
— Aquele que ninguém prevê… aquele que ninguém espera.
Nossos olhos se encontraram.
E, por um segundo, o mundo pareceu se calar.
O tempo suspenso entre nós tinha o gosto de algo perigoso — como se minhas palavras tivessem aberto um espaço onde o destino pudesse entrar e fazer o que quisesse.
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