Por Verônica....
Ao ver os primeiros funcionários chegando, ajustando seus uniformes e trocando cumprimentos sonolentos, volto minha atenção para a folha de pagamento aberta sobre a mesa. Uma a uma, reviso as anotações, calculando o que cada um retirou pelo nosso convênio interno — aquele sistema simples, mas que já ajuda tanto: o colaborador pega o que precisa no mercado e, no final do mês, descontamos direto do salário.
Mas, enquanto preencho valores, minha cabeça está em outro ponto.
Quero algo mais. Algo que realmente faça diferença no dia a dia deles.
Abro uma nova planilha e começo a rabiscar números. Minha ideia é acrescentar um cartão alimentação para cada colaborador, com no mínimo trezentos reais de saldo mensal. É um valor modesto, mas suficiente para aliviar o bolso e dar mais autonomia.
Sei que, olhando friamente para a situação da empresa hoje, o lógico seria cortar benefícios, não acrescentar. O caixa anda frágil, e o investimento no açougue já deixou nossas reservas no vermelho. Mas não consigo pensar só no curto prazo. Uma empresa boa não se constrói apenas com lucro; se constrói com gente motivada, com equipe que veste a camisa porque se sente cuidada.
A caneta pausa sobre o papel.
O pensamento é arriscado, sim.
Mas acredito que, quando você entrega algo melhor para quem está ao seu lado todos os dias, a resposta vem em forma de produtividade, comprometimento... e resultados.
Respiro fundo.
Anoto no topo da planilha: Projeto Cartão Alimentação — Implementar em 60 dias.
Eu sei que vai apertar, mas é assim que se cresce: investindo nas pessoas certas.
Não serei boa. Esse projeto do cartão alimentação só vai sair do papel depois que cada funcionário em aviso prévio deixar, de vez, os pés fora da nossa empresa.
Não é ajuda para todos — nunca foi. É recompensa. Reconhecimento para quem segue as regras, veste a camisa e entende que disciplina é tão importante quanto habilidade.
Volto a rabiscar na planilha, marcando mentalmente os nomes que já sei que não verão esse benefício.
Sei que parece frio, mas é assim que se mantém uma equipe de verdade: filtrando.
E, no meio disso, o pensamento do galpão volta a martelar. É quase um desejo proibido, como um doce caro que você sabe que não pode comprar… mas que fica olhando pela vitrine.
Um galpão enorme, numa das avenidas mais movimentadas de Caldas. Aquelas fotos ainda estão vivas na minha cabeça — consigo até imaginar a fachada com a nossa marca, a entrada ampla, os corredores cheios de movimento.
Só de pensar, meu peito aperta de empolgação… e preocupação.
Hoje, pelo menos, tenho algo concreto para comemorar: depois de dias de atraso, chegam os tão sonhados freezers. E não são só bons — são lindos!
Prateados, imponentes, com aquela tampa de vidro que deixa tudo visível. É o tipo de equipamento que transforma a aparência do mercado, que faz cliente confiar só de olhar.
Respiro fundo.
Por um momento, deixo o galpão para depois e me concentro nesse passo.
Um freezer novo não muda o mundo, mas pode ser o primeiro tijolo de algo muito maior.
As horas se arrastaram e, quando percebo, já passam das quatorze horas… e eu não coloquei um único grão de comida na boca.
Abro o aplicativo no celular para pedir algo rápido, mas antes mesmo de finalizar o pedido, ouço três leves batidas na porta.
Era o Augusto, meio inclinado para dentro, como se soubesse que vinha com notícia boa.
— Os freezers já chegaram! — anunciou, com aquele ar de quem traz um troféu.
Na hora, minha fome desapareceu como se nunca tivesse existido.
Levantei rápido, ajustando os óculos no rosto — um gesto quase automático quando estou prestes a tomar as rédeas da situação.
— Chame todos os repositores. Inclusive os que ainda estão no intervalo. — falei, sem margem para questionamentos.
Augusto acenou e, como se já tivesse previsto minha ordem, em poucos minutos estava de volta, ladeado pelos rapazes. Todos atentos, como soldados esperando o próximo comando.
A excitação estava ali, disfarçada sob meu tom firme. Freezers novos significavam mais do que espaço para mercadoria. Significavam avanço, imagem, impacto no cliente.
E eu faria questão de supervisionar cada centímetro de onde eles seriam colocados.
Depois de todo o trabalho pesado para apenas retirar os freezers do caminhão e colocá-los no chão do mercado, finalmente consigo respirar um pouco mais aliviada.
Ver aqueles equipamentos sendo levados e posicionados, um a um, no lugar certo, me trouxe uma sensação de conquista que não sei explicar. Era como se cada freezer fosse mais do que metal e vidro — eram peças de um futuro que eu tanto desejo construir.
Peguei o celular, não resisti.
Comecei a filmar, registrando cada detalhe com brilho nos olhos.
Em seguida, enviei os vídeos para o Igor.
Ele não demorou nem um minuto para visualizar e responder:
— “Vamos arrebentar!!!”
Soltei uma risada sozinha, imaginando a empolgação dele do outro lado da tela. Típico de meu irmão caçula — intenso, exagerado, mas sempre acreditando em nós.
E essa fé dele, de alguma forma, me dá forças.
Mas, como nada sai perfeito, no meio do movimento percebo um dos funcionários começando a instalar os freezers de forma completamente errada.
De imediato, minha expressão mudou.
Caminhei até ele e, com voz firme, quase cortante, falei:
— Assim não!!!
Ele parou, assustado, enquanto os outros se entreolharam em silêncio.
Controle é essencial.
E aqui, no meu mercado, cada detalhe tem que ser do jeito certo — ou não será feito.
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