segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O acaso a meu favor - Página 51

 Continuação por Verônica...

Acordei com a cabeça mais leve do que fui dormir. Talvez não exatamente leve... mas funcional. Consegui separar o que era emocional do que era prático, e isso já me deu uma vantagem.
Tomei café sem pressa, respirei fundo e fui direto para o mercado.

Hoje, Igor chega com Lia. Noite movimentada pela frente — e nem falo do que ele traz nas malas, mas sim do que pode vir no olhar. Sinto que ele está diferente desde a última visita. Mais sério. Mais distante. Mas, por enquanto, foco no que posso controlar.

Cheguei cedo, antes de todos. O silêncio do mercado vazio é algo que me conforta. Passei direto pro escritório, abri o computador, organizei planilhas, respondi e-mails... tudo no automático. Até que um deles me chamou a atenção.

Assunto: “Oportunidade comercial — galpão Caldas”.

Cliquei.

As fotos carregaram devagar, como se me provocassem. E logo de cara, meu coração bateu diferente. Um galpão grande, bem localizado, em uma das avenidas principais na entrada de Caldas. A estrutura... o espaço... aquele tipo de lugar que você olha e já vê vida dentro. Movimento. Gente comprando, mercadoria rodando, o cheiro de pão saindo de uma padaria no fundo, a possibilidade de um segundo açougue... Um sonho se materializando em pixels.

Fechei os olhos por um segundo. Se por foto eu já consegui imaginar mil e uma possibilidades... imagina vendo aquilo ao vivo?

Mas aí, a realidade me puxou de volta com força.

Dinheiro. Ou melhor, a ausência dele.

Já tirei tudo o que podia de uma das contas para a construção do açougue. Investi pesado — estrutura, equipamentos, mercadoria. O mercado está no vermelho, e eu sei disso melhor do que ninguém. Apostei tudo o que tínhamos no caixa de segurança. Uma jogada ousada, arriscada... mas necessária. Porque manter o mercado de pé, não é mais sobre lucro. É sobre sobrevivência. Sobre salvar um legado, sobre cuidar de quem trabalha comigo, de quem depende disso pra viver.

Se der certo — e eu acredito que vai dar — o retorno vem. A reforma vai chamar mais clientes, a nova disposição das prateleiras vai ampliar as vendas, o novo açougue vai bater de frente com concorrente grande. E com isso, espero pagar não só o que devo, mas também apagar o rastro de dívidas e processos que ainda me cercam como sombras.

Fechei o e-mail. Anotei o número do corretor no canto de uma folha. Não sei se posso... mas também não sei se posso ignorar.

No fundo, eu sei: meu problema nunca foi sonhar alto. Foi fazer isso com os pés no chão rachado.

Mas uma coisa é certa: se eu conseguir reerguer esse mercado, ninguém nunca mais para a empresa dos Moreli. 

Peguei o celular e olhei a hora. Eram exatamente 5h57. O mercado ainda dormia, mas minha mente já estava em plena atividade. Estava há tempos acordada, reorganizando mentalmente as tarefas do dia, mas foi nesse momento que senti aquela vontade quase involuntária de vê-la... ou pelo menos saber se ela estava bem.

Deslizei a tela e abri o aplicativo de mensagens. Clara. O nome dela apareceu no topo da lista — havia estado online pela última vez às 23h14. Me pergunto o que ela fazia acordada tão tarde... mas logo desvio o pensamento, tentando não cair no exagero.

A foto de perfil dela me arranca um sorriso involuntário. Está com um gato branco no colo, com manchinhas pretas nas orelhas e no topo da cabeça, e olhos de um azul tão forte que por um momento achei que fosse filtro, montagem, ou sei lá o quê. Mas não. É real. Ela, o gato, os dois naquela simplicidade bonita que dá vontade de entrar na foto e ficar ali um pouco.

Fiquei um tempo olhando pra tela antes de abrir a caixa de mensagem. Pensei e repensei cada palavra antes de digitar. Não queria parecer estranha. Ou mais envolvida do que deveria. Respirei fundo. Escrevi:

— Clara, bom dia!

Parei. Olhei. Simples. Direto. Educado. Mas talvez seco demais?

Continuei:

— Hoje não há necessidade de vir, está bem?
Preciso ser justa. Ontem tirei ela da folga, sem cerimônia. Merece descansar.

— Hoje o quadro está em perfeitas condições para você descansar.
Se fosse outro funcionário, admito: eu não teria me preocupado em justificar tanto.
Sorri sozinha. Ri de mim mesma. Estou sendo cuidadosa demais... só com ela.

Finalizei:

— Tenha um bom dia, e descanse!

Li de novo. Soou como uma ordem? Talvez. Mas é isso mesmo que quero. Que ela descanse. Que não se sinta pressionada. Que saiba que eu vi o esforço de ontem — e que, apesar de não saber dizer isso com facilidade, eu reconheço.

Pensei em colocar um emoji. Desisti. Ainda sou velha demais pra esses detalhes.
Cliquei em "enviar".

Guardei o celular e me inclinei pra frente, voltando à tela do computador.
Mas a cabeça... bem, a cabeça já não estava mais ali.

Próxima página - O acaso a meu favor ... Página 52

Nenhum comentário:

O acaso a meu favor - Página 74

  Continuação — O beijo… por Verônica O “quase” entre nossas bocas dura longos segundos — segundos que esticam o mundo, que dilatam o ar ao...