Por Clara...
Hoje, como em tantos outros dias, sempre aparece um que confunde gentileza com 'ela tá me dando mole'. E, sinceramente, isso cansa. Chega a ser estressante ter que suportar o infeliz até que ele finalmente perceba — ou aceite — que não estamos interessadas. E ainda tem outra: será que é tão difícil assim perceber que eu gosto de mulheres? Será que não carrego isso no olhar, no jeito, na fala? Ou será que alguns escolhem não ver, porque só enxergam o que convém ao ego deles?
Hoje, quem me livrou de um cara inconveniente foi a Verônica. E, olha… ver ela chegar com aquele olhar sério, carregado de desagrado com a cena, me trouxe um alívio imenso. Ela não precisou dizer nada — a postura dela foi o bastante para o sujeito se tocar e ir embora. É nesses momentos que a gente percebe quem realmente nos protege. Porque, se fosse o Augusto, ele teria me repreendido. Ia dizer que eu estava dando 'liberdades', como se a culpa pelo incômodo fosse minha. Como se o mínimo de educação que ofereço já fosse um convite. E é exatamente esse tipo de pensamento que esgota. Principalmente vindo de um gerente.
A frase e o olhar da Verônica, no fim de tudo, me deixaram com uma leve, mas marcante, sensação de proteção. E isso, especialmente no meu ambiente de trabalho, onde tantas vezes preciso me manter firme sozinha, fez toda a diferença. Foi como se, naquele instante, eu pudesse respirar mais fundo. Saber que alguém está ali, atenta, pronta para intervir quando for preciso, me lembrou que não preciso carregar tudo sozinha — nem sempre.
Tirando esse episódio, aproveitei cada música que tocava no mercado. Afinal, eram justamente das minhas playlists favoritas. Aqueles sons, que eu mesma escolhi com tanto carinho, preenchiam o ambiente e, de algum jeito, também me preenchiam. Era como se, por alguns instantes, tudo estivesse em sintonia — o movimento do mercado, o ritmo das pessoas e até o meu próprio humor.
Pelo visto, Verônica está mesmo levando a sério aquela conversa sobre mudança de dentro pra fora. Hoje apareceu por aqui um senhor de cabelos grisalhos, com uma trena na mão, medindo cada canto do mercado. Eu, como boa curiosa que sou, ficava só de rabo de olho, acompanhando cada passo dele, tentando adivinhar o que ele pretendia com cada medição. Parecia que até as paredes iam passar por transformação. E, confesso, aquilo me deixou animada — mudanças, quando vêm com propósito, costumam trazer boas surpresas.
Às vezes, me pego observando Verônica em silêncio — na correria, nas decisões rápidas, nos detalhes que ninguém nota, mas que ela nunca deixa passar. É impossível não admirar a mulher que ela é. Forte, prática, mas também sensível às necessidades de quem está por perto. As mudanças que tem feito no mercado não são só para reerguer um negócio, mas para tornar o ambiente mais humano, mais justo. Já é tão dedicada aqui, tão incansável... fico imaginando como seria numa família, como ela se entrega, como cuida. E, nesses pensamentos, sinto um misto estranho de tristeza e curiosidade — tristeza por saber que alguém já pode ter essa sorte, essa mulher inteira nas mãos... e curiosidade por imaginar como seria tê-la ao meu lado, em silêncio, sem precisar dizer nada, só sendo quem ela é.
Não sei quando exatamente comecei a olhar pra Verônica com outros olhos. Talvez tenha sido aos poucos, como quem não percebe que está se aproximando do fogo até sentir o calor na pele. O fato é que, com o tempo, ela foi ocupando um espaço silencioso dentro de mim. E quanto mais tento entender o que é isso que sinto, mais me vejo querendo estar perto — não só por admiração, mas por um desejo que não se assume fácil.
É estranho desejar alguém que talvez nem imagine o quanto sua presença me atravessa. E mais estranho ainda é esconder isso todos os dias, disfarçando em olhares rápidos, piadas bobas, ou até num convite inocente pra almoçar. Às vezes, me pergunto se ela percebe. Se sente. Ou se sou só eu, nesse silêncio todo, tentando guardar algo que insiste em transbordar.
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