sábado, 28 de junho de 2025

O acaso a meu favor - Página 25

 Por Verônica...


Mandei aquela mensagem sem perceber exatamente como ela poderia soar para a Clara. Só queria, de verdade, saber se ela estava bem. O que aconteceu hoje ultrapassou qualquer limite do que eu estava preparada para lidar — tanto como gestora... quanto como mulher.

Mesmo depois de fechar o mercado, organizar os relatórios do dia, responder e-mails do jurídico... meu corpo ainda vibra como se estivesse correndo, como se não pudesse parar. A adrenalina me tomou de um jeito que eu não lembro da última vez.

Mas a verdade é que não é só o acontecimento em si.
É quem estava no meio daquilo.

A cena dela — com aquela escada, aquele olhar tenso e determinado — parece não sair da minha mente. Mas o que mais me abala é pensar...

E se tivesse dado errado?
E se, por segundos, ele tivesse sido mais rápido?
E se ela tivesse se machucado, ou pior?

Só de imaginar, meu peito aperta de um jeito que me desconcerta.
Não posso — ou talvez não deva — me importar tanto assim. Mas meu coração, traiçoeiro, nem se dá ao trabalho de pedir permissão.

Além disso, o vídeo já está nas redes sociais. Aquele trecho exato, com a legenda sensacionalista de sempre:
"Funcionária de mercado impede roubo com escada!"
Ótimo para os curiosos. Um desastre para a imagem do mercado. E uma exposição absurda pra ela.

E mesmo com tudo isso, minha maior aflição é que ela esteja bem.
Que tenha conseguido chegar em casa.
Que tenha conseguido... descansar.

Talvez seja por isso que mandei tantas mensagens. Talvez no fundo, o que eu mais queria, era um respiro de paz em forma de resposta dela.

E quando recebo, alguns minutos depois, e leio o que ela escreveu:

“Hoje foi um daqueles dias que a gente não esquece, né?”

Eu fecho os olhos.

Não sei o que está acontecendo exatamente comigo.
Mas sei o suficiente pra entender que o medo que senti hoje... não foi só medo de gestora.
Foi medo de perder algo que talvez nem tenha começado direito.
Mas que, de alguma forma, já é importante demais pra mim.


Estava sentada no sofá, ainda vestida com a mesma roupa do expediente, tentando processar tudo, quando o celular vibrou. Era meu irmão. Atendi no segundo toque, e antes mesmo de dizer “alô”, ouvi a voz dele tensa do outro lado da linha:
— Verônica, pelo amor de Deus, acabei de ver a notícia... você tá bem?


Fechei os olhos por um instante, sentindo a tensão subir de novo pelo corpo. Tentei tranquilizá-lo com um "tô bem", mas minha voz falhou um pouco. Ele sempre teve esse jeito protetor, mesmo sendo mais novo.

— Precisamos de segurança nesse lugar, Nica. Isso pode se repetir....                                              

Ouvi-lo me chamar daquele apelido antigo, que ele só usava quando estava realmente preocupado, mexeu comigo. Respirei fundo. Ele tinha razão. E mesmo sendo a gestora ali, naquele momento, me permiti ser só irmã dele — e sentir o alívio de ser cuidada também.

Conversamos por mais cinco minutos. Fui firme, serena. Tranquilizei-o. Disse que não havia razão para interromper a viagem com Lia por causa do ocorrido.


Subo para o quarto. Entro no chuveiro.

A água quente desce, silenciosa. E então me permito chorar — discretamente, como quem esvazia um copo sem deixar rastros.

Não sei exatamente por quê. Mas um medo surdo se instalou em mim. Um medo frio, antigo, difícil de nomear.

Medo da perda.

Mas perder o quê? — me pergunto.

Visto um robe de seda azul-marinho. Os cabelos ainda úmidos, penteados para trás. Desço até a cozinha.

Abro o aplicativo do iFood e peço uma massa à carbonara. Enquanto isso, abro uma garrafa de vinho tinto. Sirvo-me de uma taça — sem pressa.

Sento-me. Apoio os cotovelos no balcão. O silêncio da casa pesa, mas não me incomoda. Estou acostumada a ele.

Em menos de vinte minutos, a notificação anunciava a chegada do meu pedido. Caminho até a porta, pego a encomenda e me sirvo ali mesmo, direto da embalagem, sem muita frescura.

Pego o celular e fico na indecisão: visualizo ou não as mensagens da Clara? Não sei se foi por causa do vinho, mas acabei respondendo de um jeito divertido.

Li as mensagens da Clara com um sorriso discreto nos lábios. Meus dedos pairaram sobre o teclado por alguns segundos antes de começar a digitar, buscando não parecer tão eufórica quanto me sentia:


"Fico feliz que esteja bem. Achei que ia ter que colocar uma plaquinha de 'funcionária em recuperação' no setor de atendimento."
Parei por um instante, respirei fundo e continuei:


"E olha... se essa sua promessa de não virar heroína for verdadeira, vou até colocar no quadro de avisos." 


"Boa noite, Clara. Dorme bem. Qualquer coisa, tô por aqui (mas sem escadas como arma, por favor).”


Enviei antes que pudesse pensar demais. Às vezes, deixar o tom leve era a única maneira de esconder o que eu realmente queria dizer.

Próxima página - O acaso a meu favor

Página 26

Nenhum comentário:

O acaso a meu favor - Página 74

  Continuação — O beijo… por Verônica O “quase” entre nossas bocas dura longos segundos — segundos que esticam o mundo, que dilatam o ar ao...