Por Verônica...
Quando ela me perguntou sobre o bilhete, por um instante senti o mundo desabar — como uma adolescente pega no flagra, o coração disparado, a mente um turbilhão de medo e vergonha. Mas me agarrei a um fio de força e assumi, do jeito que consegui. Por fora, parecia calma, quase indiferente, mas por dentro, meu peito batia tão forte que parecia querer explodir, igual à bateria de uma escola de samba na Sapucaí no auge do desfile.
Ao dizer que fui eu, senti como se tivesse jogado uma luz sobre um segredo pesado demais para carregar. Não sei exatamente o que deixei claro, talvez nem eu saiba direito... Só sei que ainda não tenho coragem para encarar tudo isso de frente.
Dispensei o Augusto mais cedo. Ele tentou me segurar, tentou me convencer a ficar, mas eu firmei: “Está tudo sob controle”. Ele relutou, resistiu, mas no fim teve que ir pra casa. Fiquei sozinha com os meninos. Os repositores mais novos... olha, pelo que tô vendo, eles estão pegando o jeito rápido, aprendendo as funções, cada dia mais seguros.
Observei o Luís e o Paulo hoje. Engraçado como cada um está lidando com a despedida de um jeito tão diferente. Um deles, nos últimos dias do aviso, está dando o melhor de si — como se quisesse sair deixando uma boa impressão, talvez até tentando consertar o que não fez antes. Já o outro... parece uma criança birrenta, emburrada por ter sido castigada. Faz tudo de qualquer jeito, largado, jogando as tarefas com desdém. Vive repetindo: “Se eu não fui o melhor, então deixo o melhor fazer.” — Só me restou rir por dentro. A cena que me vem é a de um senhor de idade cruzando os braços, fazendo birra igual menino mimado. Ridículo, mas quase cômico.
O Luís, acabei tendo que demitir. Falta de compromisso. É jovem, não o julgo, tem muito chão pela frente — mas não posso permitir que a responsabilidade de um pese nos ombros de outro. O dia que ele chegou bêbado... ali foi o fim da linha pra mim. Tentei relevar, mas tem limite. Aqui não é balada, é trabalho.
A Juliana... ah, a Juliana já virou um caso perdido. Tentei conversar, orientar, ajustar. Nada. Ela trabalha como se tudo tivesse que girar do jeito dela. Se não for assim, ela trava, boicota, dificulta. E eu estou cansada. Cansada de lidar com gente que acha que firmeza é opressão. Isso aqui não é creche, nem casa de caridade. É uma empresa. Tem custo, tem margem, tem meta, tem venda. E principalmente — tem despesa. Se não vende, não lucra. E se não tem lucro, eu não tenho como pagar o salário de ninguém.
Às vezes me pego pensando se eu tô sendo dura demais. Se não tô exigindo demais de gente que, às vezes, mal sabe o que quer da vida. Mas aí lembro que ninguém me deu colher de chá quando eu comecei. Tudo o que conquistei foi no braço, no suor, segurando a barra sozinha, muitas vezes com o coração em pedaços e o sorriso forçado no rosto.
Liderar não é só mandar. É carregar o fardo do que ninguém vê. É perder o sono por conta de conta que não fecha, de funcionário que falta, de produto que não chegou. É fingir que está tudo bem mesmo quando, por dentro, você só queria deitar e sumir um pouco. Mas não posso. Não posso porque tem gente que depende desse lugar, dessa empresa, dessa estrutura que meu pai levantou com tanto esforço. Tem família que vive com o que a gente gera aqui.
Às vezes, queria que entendessem isso. Que cada centavo conta. Que cada atitude afeta o todo. Que o mercado pode ser pequeno, mas o peso que ele carrega é imenso. Não é só comércio. É vida real. É salário, é aluguel, é conta de luz. É dignidade.
E eu... eu só queria, de vez em quando, poder respirar sem sentir que estou carregando o mundo nas costas. Mas não reclamo. Porque, apesar de tudo, sei do valor da nossa família. E sei que não cheguei até aqui pra recuar agora.
Próxima página - O acaso a meu favor .... Página 49