terça-feira, 1 de julho de 2025

O acaso a meu favor - Página 31

 Continuação da cena por Clara - Parte ll...

Ao sair do banheiro, a encontro mais relaxada. Está sentada no sofá, os ombros menos tensos, o olhar um pouco mais leve. Um sorriso involuntário me escapa — vê-la bem, mesmo que por instantes, ainda mexe comigo. Por reflexo, quase sem pensar, a convido para jantar. Ela aceita sem hesitar, como se ainda fôssemos nós, como se nada tivesse se quebrado entre aquele "oi" e esse agora.

Ela começa a arrumar a mesa com a naturalidade de quem já pertenceu àquele espaço. E eu vou para a cozinha, assumindo o comando da comida. Não trocamos muitas palavras. O silêncio não era hostil, mas tampouco era confortável. Era... suportável.

E aí, no meio daquele silêncio cheio de pratos e talheres, eu percebi: era isso o que sempre tínhamos tido antes do fim. Suportável. Nunca foi exatamente paz — era apenas uma ausência momentânea de guerra. Um cuidado constante em não pisar forte demais, em não falar alto demais, em não sentir demais.

Era como viver sobre uma superfície fina de gelo — e eu sempre soube que, um dia, isso iria romper.


Lembro com nitidez dos momentos em que tentei alcançá-la. Tentava chamar sua atenção com palavras brandas, com gestos, com um amor quase desesperado por salvar o que ainda restava. Tentava arrancá-la daquela ira que parecia morar em seu peito — mas, invariavelmente, quem acabava ferida era eu.

A cada tentativa de diálogo, a cada vez que me abria para dizer o que me doía, o retorno era o silêncio. Ou pior: o descaso, aquele olhar perdido que me dizia que minhas dores não tinham importância. Como se eu fosse invisível no meio do furacão que ela mesma carregava.

E hoje, olhando para tudo com a distância que a solidão permite, percebo que ficar sozinha foi, talvez, o maior presente que ela pôde me dar. Porque ali, naquele abandono, eu finalmente me libertei. Me libertei da necessidade constante de consertar o inquebrável, de entender o que não era meu para curar. Me libertei da guerra que, por tanto tempo, travava sozinha em nome de um “nós” que só existia na minha esperança.

Sentamos à mesa. A comida entre nós é simples, mas quente — quase reconfortante. Bento se enrola aos pés de Camila, como se ela nunca tivesse partido. Ela sorri com isso, pega um pedaço de pão, mas hesita antes da primeira mordida. Sinto no ar que ela quer falar. A respiração mais longa, o olhar que evita o meu, os dedos inquietos na borda do copo.

— Clara... — começa, finalmente. A voz dela é baixa, como se pisasse em território sagrado. — Sobre esses meses... sobre o sumiço...

Levanto os olhos devagar, sem pressa. Ela continua:

— Eu não sabia como voltar. Tinha medo do que você ia dizer. Medo de me encarar depois de tudo que eu...

— Camila. — a interrompo, sem levantar o tom, mas com firmeza. — Talvez hoje não seja o melhor dia pra isso.

Ela engole o resto da frase como se tivesse gosto amargo. Olha para o prato, balança a cabeça levemente, em silêncio. O clima muda, mas não explode. Só se torna mais denso, mais cheio de tudo o que não está sendo dito.

— Eu entendo. — ela murmura, quase para si mesma.

Continuamos a comer. Mastigamos o jantar, e com ele, todas as palavras engasgadas entre nós. Às vezes, nossos olhos se cruzam, mas nenhum de nós segura o olhar por muito tempo.

Terminamos o jantar em silêncio, cada um mergulhado no próprio prato, no próprio passado. Os talheres descansam agora sobre os pratos vazios, e Bento, já satisfeito com os carinhos e a presença, se acomoda num canto, observando tudo com olhos semicerrados.

Camila se levanta devagar, como quem entende que o tempo ali acabou — não só o do jantar, mas o do que restava entre nós. Ela começa a juntar os pratos com o mesmo cuidado com que, um dia, eu tentei juntar os pedaços de algo que ela mesma quebrou.

— Eu... — ela começa, mas para no meio da frase, com os olhos presos aos meus por um breve instante. Não há raiva, nem mágoa. Apenas cansaço e o eco do que já fomos.

Me levanto também, caminhando até a porta antes que as palavras voltem. Não quero mais explicações. Algumas coisas, quando ditas, só machucam mais.

Ela entende. Camila sempre soube ler silêncios melhor do que palavras.

— Obrigada por hoje — diz por fim, com uma honestidade rara, talvez pela primeira vez em muito tempo.

— Cuida de você — respondo, e minha voz sai firme, mesmo com o nó na garganta.

Ela sorri, triste. Um sorriso de despedida, de quem entende que o retorno talvez não seja mais possível — e que, no fundo, nunca foi.

Abro o portão. Ela passa por mim devagar, e antes de seguir pela calçada, se vira uma última vez. O olhar dela se prende no meu por alguns segundos que parecem eternos. Nenhum de nós diz nada.

Ela vai.

E, assim, eu fecho a porta. Sem pressa. Sem drama. Apenas fecho.

E pela primeira vez em muito tempo, sinto que algo dentro de mim também começa a se fechar — mas em paz.

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O acaso a meu favor - Página 30

 Continuação por Clara...

Terminei meu expediente sem nem ao menos me despedir de ninguém. O que foi aquilo? Nunca dei motivos à Juliana para me acusar daquela maneira. Até ontem, acreditava fielmente que ela era minha amiga aqui dentro. Será que fiz alguma coisa? Será que minha aproximação com a Verônica a prejudicou em algo? Mas o que seria exatamente? – penso comigo mesma, enquanto caminho rumo à minha casa, o uniforme ainda grudado na pele e a cabeça latejando.

Será que ela ficou com ciúmes de mim, ou da Verôn... – nem termino de pensar, e acredito que já tenha minha resposta.

O ciúmes. Não sei se dela ou por ela. Mas é isso. Juliana nunca foi de esconder quando se sentia ameaçada, só nunca pensei que eu seria essa ameaça. Nunca me vi nesse lugar, nunca me achei digna de ocupar a atenção de alguém como a Verônica, muito menos de despertar qualquer tipo de disputa.

Mas ali estava eu, envolta num turbilhão de olhares, julgamentos e sentimentos confusos. E o pior, era saber que talvez, no fundo, o que mais me doía não era a acusação... mas a ideia de que, talvez, Juliana estivesse certa em parte. Não sobre interesses ou regalias, mas sobre a presença da Verônica me afetar mais do que deveria.

Talvez porque no fundo, mesmo sem admitir... eu quisesse sim ser vista por ela.

Ao ir dobrando a esquina de casa vejo alguém conhecido. Conhecido até demais.
Meu corpo congela, mas congela de um jeito que até minha respiração falha por alguns segundos.
E não se engane... não é da maneira como a Verônica me deixa quando fala algo inesperado, ou simplesmente me encara demais com aquele olhar que parece atravessar qualquer escudo que eu tento usar.

É diferente.
É um congelamento que vem do medo. Da memória.
Dos fantasmas que a gente acha que deixou pra trás.

E lá estava ela.
Camila.

Com seu estilo vintage impecável, quase como saída de um editorial dos anos oitenta. Calça de cintura alta, blusa estampada justa ao corpo, e até os sapatos — um salto baixo retrô que ela sempre disse combinar com tudo. Por um segundo, admito: se fosse dois anos atrás, meu coração teria disparado e eu estaria ali, derretida, enfeitiçada, me perguntando como tive tanta sorte.

Mas hoje...
Hoje ao vê-la, só sinto dor.

Aquela dor seca, que não faz escândalo, mas rói por dentro. Uma dor que mistura lembranças, decepções e aquele “por que eu não fui suficiente?”.

Ela está ali, escorada na parede como se o tempo não tivesse passado, como se a nossa história não tivesse sido tão mal resolvida. E o pior: parada bem na entrada do prédio onde moro. Ou seja, não tem desvio, não tem fuga.

Respiro fundo. Endireito os ombros, e continuo andando. Não vou voltar. Não vou correr. 

Assim que me vê, ela ajeita a postura como quem veste uma armadura de charme e me presenteia com um sorriso breve, quase ensaiado. É linda, disso não há dúvida. Mas se a beleza dela refletisse sequer metade do que lhe falta em caráter, eu já teria me rendido há muito tempo.

— Oi, Clara... — ela diz, a voz trêmula, carregando um tom desajeitado que denuncia o nervosismo. Agora, de perto, o cheiro de cigarro impregnado em suas roupas se mistura ao álcool, formando uma névoa amarga entre nós.

— Oi, Camila. — respondo, seco. As palavras saem sem cor, sem peso, sem aquele brilho nos olhos que costumava incendiar cada sílaba quando falava com ela.

— Você não respondeu às minhas mensagens... — ela começa, hesitante. — Fiquei sabendo da tentativa de roubo.

Fico em silêncio. Apenas observo. Cada palavra dela parece tatear o ar, insegura, como se nem ela mesma soubesse se ainda tem o direito de me encarar. E eu... só analiso. O tom da voz, o tremor nas mãos, o descompasso entre o que diz e o que sente. Como se estivéssemos frente a frente pela primeira vez — ou talvez pela última.

— Estou bem. — respondo enfim, sem pressa, como quem escolhe cada palavra com cuidado para não abrir novas feridas. Ela tenta dizer algo, abre a boca algumas vezes, mas desiste. No fim, solta apenas uma pergunta:

— E o Bento?

Dou uma risada nasal, seca, sem humor. Da sacada, Bento me vê e, como sempre, anuncia sua presença com um miado alto, quase teatral, como se estivesse cobrando minha demora — ou avisando que sabe quem está comigo.

— Está ótimo. Saudável, gordinho, como sempre... — respondo num tom leve, que escapa sem querer e acaba arrancando uma risada dela. — E muito, mas muito mião.

Por um instante, o peso da conversa cede. O nome dele ainda é um ponto de contato entre nós, um respiro entre tantos silêncios.

Ela tem seus defeitos — todos temos. E mesmo que eu jamais saiba tudo o que ela enfrentou para se tornar quem é, nada justifica o que fez comigo. Traição, manipulação, mentiras pintadas com a desculpa dos traumas... isso é demais. Isso não se conserta com palavras.

— Se quiser vê-lo... — ofereço, já empurrando o portão com um gesto silencioso.

— Posso? — ela pergunta, com a voz baixa, quase um sussurro.

Apenas assinto. Ela me segue sem dizer mais nada, como se nossos pés soubessem o caminho que o coração tenta esquecer.

Ao cruzar a porta do apartamento, percebo nos olhos dela: tudo ali ainda carrega sua assinatura. Os quadros tortos que ela insistia em deixar assim, o tapete azul-claro que jurava ser cinza, até o cheiro — tudo permanece exatamente como ela deixou. Como se o tempo tivesse congelado à espera de seu retorno.

Talvez ela sinta isso também. Talvez perceba que aquele lugar ainda a reconhece. Mas eu... já não sei se posso dizer o mesmo. Não sei se meu coração ainda espera por ela — ou se quero que espere.

— Fica à vontade — digo num tom calmo, quase indiferente, e sigo direto para o banheiro. Preciso daquele banho mais do que nunca.

Deixo-a ali, no sofá, brincando com o Bento, que logo se joga no colo dela como se o tempo entre eles também nunca tivesse passado. A cena me atravessa. Um déjà-vu me alcança sem pedir licença — o riso dela misturado ao miado dele, o som exato de uma lembrança que dói.

Sinto os olhos arderem, a garganta apertar. Desvio o rosto, entro no banheiro e fecho a porta como quem tenta conter uma represa. A água quente vai ter que lavar mais do que o corpo hoje.

Nos conhecemos aqui mesmo, em Caldas. Ela com vinte e três, eu ainda com apenas vinte anos — cheio de sonhos e sem a menor ideia do que me aguardava. Foi numa tarde comum, na praça do centro, sob a sombra da famosa “Rueda Gigante”, que nossos olhos se cruzaram pela primeira vez.

A admiração foi instantânea, como se algo invisível tivesse nos puxado um para o outro. E acredito que, da parte dela, também houve esse mesmo choque silencioso. Ela havia acabado de chegar à cidade, carregando consigo aquele ar de quem quer recomeçar, conquistar seu lugar no mundo. Eu também buscava isso, mas com uma ingenuidade que hoje me soa quase infantil.

Ela chegou devagar, com um olhar vivo, curioso, e uma calma que desarmava qualquer um. Com tatuagens discretas espalhadas pelo corpo — pequenos traços minimalistas que não gritavam por atenção, mas a envolviam num charme impossível de ignorar.

E foi assim que começou. Simples, leve, como se tudo estivesse no lugar certo.

Pena que o destino tinha planos diferentes. Porque logo depois... o que era doce virou sombra. E o que parecia ser o começo de um lar, virou palco de um lento e silencioso terror.

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segunda-feira, 30 de junho de 2025

O acaso a meu favor - Página 29

 Por Clara...

Hoje o movimento foi mais corrido que o habitual. Por ser uma segunda-feira, estranhamos logo de início. Mas tudo fez sentido quando notamos os ônibus de excursão trazendo turistas para a cidade — aquele tipo de visita inesperada que faz o mercado parecer uma convenção. No meio da correria, sem nem perceber, o relógio já marcava 14h47 quando vi Juliana se aproximar. Ela vinha com os cabelos presos num coque alto, como sempre faz depois do almoço, e a inseparável garrafinha d’água.

— Clara, me tira uma dúvida aqui... — chamou minha atenção de forma casual, como quem puxa assunto qualquer, mas o olhar dizia outra coisa. — O que você tanto faz no escritório com a Verônica?

Na mesma hora, senti meu corpo gelar por dentro. Era como se alguém tivesse me jogado um balde de água fria por trás. Tentei manter o rosto tranquilo, como se nada demais tivesse sido dito, mas Juliana me conhece bem demais pra não notar quando estou desconcertada.

— Até almoços vocês têm juntas... e dentro do escritório ainda por cima — continuou, agora num tom mais carregado, com um sorrisinho irônico que nunca vi nela. — Você não acha que está tendo muitas regalias, não?

Aquela última palavra — regalias — bateu fundo. Regalias? A Ju? Juliana, minha amiga de tantos dias puxados, quem já dividi bolacha na sala de descanso, achando que podia confiar. De onde ela tirou isso? Quando foi que estar por alguns minutos no escritório virou privilégio? E os almoços... nem sempre eram planejados, às vezes só coincidiam. Às vezes nem almoçávamos de fato, só conversávamos sobre alguma coisa ou outra.

Pela primeira vez, me senti deslocada no lugar onde achei que estava finalmente me encaixando. O olhar da Juliana não foi só de desconfiança, foi de julgamento. Um julgamento que doeu.

E o pior de tudo: não consegui responder. Só sorri, fraco, e abaixei os olhos, como quem engole seco algo que não quer mastigar. Levanto os olhos e nesse momento vejo oque ela quer.

Depois que Juliana se afastou, senti um gosto amargo na boca. Tentei continuar o atendimento como se nada tivesse acontecido, mas as palavras dela rodavam em looping na minha cabeça. "Regalias." Aquilo foi pior do que se ela tivesse me acusado de algo diretamente. Foi como uma facada nas entrelinhas. Me senti suja... como se estivesse fazendo algo errado simplesmente por estar no mesmo ambiente que Verônica.

No fundo, o que doía não era a acusação. Era vir dela. A Ju, que ria comigo no caixa. Que me contava dos problemas com o ex, das vontades de sumir de vez em quando. Aquilo me desmontou.

Fiquei remoendo. E quanto mais eu tentava deixar passar, mais parecia que minha garganta se fechava.

Na primeira pausa, não resisti. Saí do caixa, fui direto pro banheiro e me tranquei. Sentei na tampa do vaso, puxei o celular, olhei a tela por alguns segundos sem saber pra quem escrever... Verônica? 

Respirei fundo. Talvez eu só precisasse calar por enquanto. Mas ali, dentro daquele cubículo com cheiro de água sanitária, percebi: essa aproximação com Verônica tava mexendo com muita coisa — inclusive com as pessoas ao redor.

"Nunca me aproximei de ninguém esperando receber algo em troca. Essa ideia nem sequer cabe em mim. Trabalho duro, às vezes até onde meu corpo e mente pedem arrego — e mesmo assim, no dia seguinte, estou ali. Um caco, sim, mas firme, com uma base sustentada por honestidade e um sorriso sincero. Por isso, ouvir que há quem ache que estou tendo privilégios... ou pior, que estou me aproveitando de algo, me quebra por dentro. Me quebra o coração. Porque não importa o quanto eu tente fazer tudo certo, parece que sempre vai existir alguém disposto a diminuir isso, a transformar em malícia o que, pra mim, sempre foi só entrega." — Penso enquanto enterro os dedos em meus cabelos. 

Saí do banheiro tentando engolir a dor que descia seco, presa na garganta. Passei em frente ao escritório da Verônica sem nem olhar para a porta. Meu rosto ainda denunciava algo — um dos meninos, dos que sempre me tratam com carinho, percebeu. Se aproximou em silêncio, e me deu um beijo no topo da cabeça. Esse gesto me desarmou um pouco. Somos assim: uma grande família, apesar de tudo.

Sigo em direção ao meu caixa, e então ouço a voz da Juliana, vinda de trás com aquele tom debochado que conheço bem:

— E aí, Clara... — ela começou.

Nem me virei. Continuei andando.

— Foi correr pra contar pra namoradinha sobre os comentários, foi? — ela lançou a frase como quem joga veneno no vento.

Não deixei nem ela terminar.

— Qual é a tua, Juliana? — virei de vez, encarando. Minha voz saiu cortante. Por um segundo, ela pareceu surpresa, mas rapidamente riu, como se fosse exatamente o que esperava.

— Olha só... Clarinha mostrando as garras — disse com sarcasmo, inflando ainda mais a raiva dentro de mim.

Foi aí que percebi o movimento ao redor. Seu Paulo vinha em direção ao caixa, e logo atrás dele, Verônica. Vi os olhos dela passarem de Juliana pra mim como se pesassem o momento.

— Só não quebro a tua cara aqui agora porque, diferente de você, que me chamou de interesseira, eu pago as minhas contas com o que ganho aqui e em outros lugares também. — Falei firme, com o peito arfando de raiva.

Juliana deu um passo à frente, pronta pra reagir. Mas Luiz, que sempre foi meu parceiro de guerra ali dentro, me segurou pela cintura, firme.

— Clara, calma... — sussurrou ele ao meu ouvido.

Seu Paulo entrou no meio sem pensar duas vezes, erguendo as mãos.

— O que tá acontecendo aqui?! — bradou, tentando dissipar a tensão.

Verônica parou ao lado dele. E mesmo sem dizer uma palavra de imediato, só o olhar dela já calou metade do ambiente.

— As duas, pra minha sala. Agora. — A voz dela saiu baixa, mas carregada de autoridade. Não era um pedido, era uma ordem.

Juliana ainda bufou, cruzando os braços, mas foi. Eu, apesar da vontade de recusar, fui também. Não queria parecer que estava fugindo. Luiz me soltou devagar, ainda com a mão no meu ombro em sinal de apoio. Seu Paulo ficou parado, observando, balançando a cabeça em desaprovação.

Entramos. Verônica fechou a porta com mais força do que o habitual, se posicionou atrás da mesa e cruzou os braços, olhando de uma para outra.

— Isso aqui não é escola, muito menos pátio de recreio. Vocês estão aqui pra trabalhar. E se tiverem algum problema pessoal uma com a outra, resolvam fora do horário e fora do meu mercado. — O tom era firme, controlado, mas cada palavra era um soco seco no ar.

Juliana tentou retrucar:

— Eu só...

— Cala a boca, Juliana. — interrompeu Verônica, sem alterar o tom. — Sem saber de fato oque aconteceu, a cortou. 

Juliana se calou, pela primeira vez visivelmente desconfortável.

Verônica então se virou pra mim, e o olhar endureceu um pouco mais.

— E você, Clara... Não me interessa o que aconteceu — disse me olhando de maneira decepcionada — levantar a voz e ameaçar uma colega de trabalho também não é aceitável. Você tinha que ter me procurado. 

Engoli em seco, sem conseguir falar nada. Verônica suspirou fundo e recuou um passo, apoiando as mãos na mesa.

— Isso vai acabar aqui. Hoje. Não quero mais ouvir burburinho ou barraco nesse chão. Porque da próxima, quem vai sair não é só com advertência, é com as contas na mão. Entendido?

As duas assentimos, em silêncio.

Verônica então se voltou para mim com um olhar menos duro:

— Pode voltar pro seu posto, Clara.

Depois olhou para Juliana:

— E você, passa o resto do dia no estoque. Vai ajudar o Luiz. Agora, fora as duas.

Saí da sala com o coração batendo forte...

E lá dentro, pela primeira vez também... vi Verônica perder a compostura por trás da frieza de chefe. Só por um segundo.


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O acaso a meu favor - Página 74

  Continuação — O beijo… por Verônica O “quase” entre nossas bocas dura longos segundos — segundos que esticam o mundo, que dilatam o ar ao...