Pagina 11 – Capitulo 01.
Por Clara...
No início, quando descobri que seriam meus patrões os
clientes da mesa reservada, confesso: fiquei muito nervosa. Tive medo de não
estar à altura, de não conseguir atender de forma adequada. Mas logo reconheci
ali uma oportunidade — minha chance de mostrar, com elegância, o quanto sou
capaz de atender qualquer cliente com profissionalismo. E, quem sabe, também de
limpar a imagem que deixei com eles depois do que aconteceu ontem. Era o
momento ideal para esfregar na cara daquela "mulherzinha" o quanto
estou preparada — dentro ou fora do mercado.
Vi Igor me chamando discretamente com um gesto da mão. Fiquei um pouco
envergonhada, já que haviam dito que não pediriam mais nada. Imaginei que fosse
por uma taça extra de vinho, talvez uma água ou algo simples. Mas o que ele
disse — ali, na frente de toda a mesa — me desestruturou completamente naquela
noite.
Igor pigarreou, visivelmente desconfortável, e com um olhar breve para a
irmã, começou a dizer algo que soou como o início de um pedido de desculpas.
Observei Verônica, percebendo a intenção, ajeitou-se na cadeira e tentou
acompanhá-lo, como se quisesse reforçar a iniciativa. Mas sendo quem sou, com
um sorriso gentil e um olhar sereno, os interrompo com educação:
— Acho que essa conversa merece um momento mais apropriado... Hoje é noite
de família.
Meu tom foi firme, mas respeitoso, e isso pegou Verônica e Igor de surpresa.
Pela primeira vez, acho que eles não viram apenas uma funcionária
esgotada — viram uma mulher que sabia o próprio valor e tinha muito
discernimento. E, mesmo sem dizer uma palavra, espero ter deixado claro a
Verônica, que sou muito mais do que ela havia imaginado.
Com um suspiro discreto, abaixo levemente o olhar e digo, ainda mantendo
o tom calmo:
— Eu também reconheço que naquele dia eu estava cansada... talvez mais do que
deveria. O horário puxado e as responsabilidades acumuladas me deixaram no
limite. Mas vou me esforçar para que isso não volte a acontecer. Quero
continuar crescendo — e aprendendo com tudo isso.
Acho que consegui ver, naquele rosto sempre tão semelhante ao da dona
Vanda, algo que ousava parecer um esboço de sorriso. Um quase-sorriso, talvez.
Mas já era extremamente tarde. Após dizer isso, me despedi com cordialidade e
os deixei aos cuidados de um colega garçom para finalizarem o pagamento.
Na saída, Igor — como eu já imaginava — se despediu de mim com um
sorriso largo, gentil, acompanhado da namorada, que também acenou de forma calorosa.
Já Verônica...
Verônica apenas inclinou levemente a cabeça. Um gesto controlado,
contido, quase mecânico. Nada além do essencial.
E eu, com o mesmo controle que me ensinou a sobreviver nesse tipo de
situação, repeti o gesto, forçando um sorriso pequeno, sem mostrar os dentes.
Apenas o suficiente para encerrar aquele teatro educado que chamamos de
civilidade.
Só depois que eles se foram é que percebi: estava prendendo a respiração
desde o momento em que ela entrou naquele restaurante.
E finalmente, naquela noite, eu consegui respirar.
De portas fechadas e expediente encerrado, só nos restava organizar a
bagunça da noite. Sob o olhar atento de dona Vanda, limpávamos tudo de forma
descontraída. Às vezes, ela até se deixava rir de alguma besteira que
soltávamos no meio da arrumação — um comentário bobo, uma imitação exagerada de
algum cliente — mas, mesmo rindo, seus olhos não deixavam de acompanhar a
contagem do caixa com precisão quase militar.
Aos poucos, quem já havia finalizado suas funções foi se despedindo com
abraços apressados, piadas internas e o cansaço visível nos ombros. Até que,
por fim, restamos apenas eu e dona Vanda.
O silêncio que ficou não era desconfortável. Era familiar. Um daqueles
silêncios que só se constrói depois de muitos turnos compartilhados, muitos
fechamentos, muitos cafés passados depois da meia-noite.
Terminando tudo que havia para fazer, dona Vanda me perguntou:
— Quer carona pra casa?
Ela sempre oferece. E eu, de forma quase envergonhada, sempre recuso. Ela
apenas assente com a cabeça e não insiste, o que — sinceramente — agradeço.
O restaurante não fica muito longe da minha casa. E, depois de um dia como esse, tudo o que eu quero é chegar, tomar um banho demorado e... asfixiar aquele safado do Bento com meus cheiro. Até nós dois acabarmos nos limpando juntos — eu tirando o pelo dele da minha roupa, e ele lambendo cada beijo que eu tentar distribuir naquela barriguinha de ração.
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