E, mais uma vez, no meio daquele silêncio, o celular dela tocou — e eu não consegui conter o tom:
— Pelo amor de Deus, Clara! — disse eu, exasperada, e a vi levar um susto.
— Você está esperando o quê? — perguntei, jogando o cabelo para trás com uma das mãos. — Para bloquear, apagar, sumir... com o número dessa mulher no seu celular?
Ela me encarou com um sorriso risonho e um pouco confuso; e só por isso, naquele instante, se eu tivesse coragem de estrangular aquela menina, eu teria.
Mas logo o meio sorriso dela se desfez. Vi Clara abrir as mensagens diante de mim, os olhos percorrendo-as com rapidez, e então dizer, com a voz baixa e serena:
— Obrigada por ter me tirado daquela confusão.
Aquilo me desarmou por completo. Não esperava que ela cedesse tão fácil. Minha respiração se descompassou de um jeito ridículo, e só então percebi que o carro ainda estava parado no meio da rua. Por sorte, era tarde, e o trânsito já havia desaparecido.
Ela mantinha o olhar baixo, envergonhada, e, por um instante, aquilo fez algo dentro de mim afrouxar. Aquele ar doce e arrependido que ela fazia sem perceber… Deus, como é que alguém consegue me tirar o chão só por baixar a cabeça?
— E desculpa ter te envolvido nisso... — ela completou, sincera, e o som da voz dela me atingiu como um pedido de paz que eu não sabia se queria aceitar.
Senti minha respiração voltar ao ritmo normal, e, antes que perdesse o controle de novo, peguei a mochila do colo dela. Clara me olhou, sem entender, e apenas levantou os braços num gesto automático. Coloquei a mochila no banco de trás, depois alcancei o celular que estava no painel.
Sem dizer nada, entreguei o aparelho a ela, batendo-o levemente contra o peito dela — não com força, mas com firmeza.
— Resolve esse seu problema primeiro… — falei, num tom baixo e cortante. — E depois você se resolve comigo.
Ficamos ali, em silêncio. Só o som do motor e o eco da minha própria voz no ar. Ela me olhava com uma mistura de confusão e curiosidade, e eu… eu tentava não ceder à vontade absurda de puxá-la pela gola e acabar de vez com aquela distância.
Mas não. Ainda não. Primeiro, ela precisava entender com quem estava lidando.
Próxima página - O acaso a meu favor ... Página 71
Nenhum comentário:
Postar um comentário