Continuação por Verônica parte lll...
Chego ao mercado por volta das 9h da manhã. Ao estacionar, observo Clara jogando água na calçada. Percebo que ela já está terminando. Imagino que tenha notado minha chegada — é difícil não perceber. A presença do meu carro, parado ao lado do mercado, costuma anunciar minha chegada sem muito esforço.
Desço do carro e, a poucos metros dela, a cumprimento com naturalidade:
— Bom dia, Clara.
Ela levanta os olhos em minha direção e, com uma timidez contida — quase hesitante —, responde:
— Bom dia, Verônica.
Sua voz é baixa, cuidadosa, como se estivesse pisando em território sensível. E isso apenas confirma o que o Luiz me disse ontem. Clara está, de fato, tentando se afastar. Como se já tivesse aceitado que manter distância de mim fosse mais seguro.
Ofereço um sorriso leve, tentando quebrar a tensão, e sigo em direção ao mercado. Cumprimento o restante da equipe com um aceno breve. Logo vejo Augusto, com uma folha nas mãos que me parece ser o controle de mercadorias.
— Bom dia, Augusto! — chamo.
Ele levanta o olhar e logo se posiciona à minha frente, atento.
— Está melhor?
Ele responde com prontidão, num tom cordial:
— Bom dia, Verônica. Estou bem melhor, obrigado.
O analiso por um instante e percebo que, de fato, ele parece estar bem. Seu semblante está mais leve, e sua postura é firme. Aproveito que o movimento da manhã ainda está fraco, e decido agir.
— Chama a Clara no meu escritório, por favor.
Augusto me olha com certa surpresa, talvez esperando uma explicação que não virá. Não agora. Apenas sustento o olhar por um breve momento, depois lhe dou as costas e sigo em direção à minha sala.
Fecho a porta atrás de mim, tentando organizar meus pensamentos. Agora não é hora de emoção. É hora de clareza.
Sento-me à mesa, mas permaneço inquieta. Sei que, em poucos minutos, Clara entrará por aquela porta — e que o que for dito ali poderá mudar o rumo das coisas.
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Quando menos espero ouço leves batidas na porta, e deduzo ser Clara. Ao ter certeza a peço para entrar na sala e fechar a porta.
— Clara, tem um minuto? — perguntei, com a voz mais neutra possível.
Ela entrou hesitante, segurando uma flanela como se fosse escudo. Me olhou com aquela expressão de quem já estava esperando alguma coisa ruim. O que me cortou mais do que qualquer fala maldosa do dia.
Esperei ela se sentar, respirei fundo e fui direto ao ponto — mas com um tom baixo, quase gentil:
— Ouvi algumas coisas ontem pelos corredores. Coisas que não me agradaram. E que, sinceramente, me preocupam.
Ela me olhou surpresa. Eu continuei:
— Comentários... sobre você. Sobre mim. Sobre o fato de almoçarmos juntas às vezes, ou de você entrar no escritório com frequência.
Vi os olhos dela se arregalarem. A expressão encolheu. Estava quase pedindo desculpas sem palavras. Então, antes que dissesse qualquer coisa que não precisava dizer, fui clara:
— Você não está fazendo nada de errado, Clara. Eu sei que você é dedicada, honesta, e que está aqui porque merece. E se alguém insinua o contrário, o problema não é você. É a cabeça pequena de quem prefere apontar o dedo do que fazer o próprio trabalho com o mesmo empenho.
Ela não falou nada de imediato, só mordeu o canto da boca, tensa. Então eu terminei:
— Eu só queria que você soubesse que tem meu respeito. E que não deve abaixar a cabeça por algo que não fez. Se quiser parar de vir aqui no escritório ou evitar almoçar algumas vezes comigo pra não alimentar fofoca... eu vou entender. Mas não é o que quero. Só quero que você se sinta segura.
Pela primeira vez no dia, sinto que ela relaxou os ombros. Ainda em silêncio, assentiu de leve com a cabeça.
— Obrigada por me chamar aqui. — murmurou. — Acho que... eu precisava ouvir isso mais do que imaginava.
Eu apenas sorri. Não tinha mais nada a dizer. Mas naquela troca curta, silenciosa, ficou claro: a ponte entre nós não estava abalada — talvez só estivesse começando a se firmar.
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