Pagina 02 – Capitulo 01.
Enquanto isso, a jovem Clara finalizava a contagem do seu caixa para
poder fechá-lo e ir para casa. Hoje, seu plantão no mercado foi de mais de
quinze horas. Clara tem cerca de vinte e dois anos e está a serviço do mercado
há quase dois anos. Mesmo sendo apenas operadora de caixa, sua responsabilidade
com a empresa sempre foi exemplar — nunca deu motivos para decepções.
No entanto, cada sacrifício que fez em nome da empresa teve como
consequência o fim do seu relacionamento e o desgaste da sua saúde mental.
Para falar a verdade, o “sacrifício” de Clara nunca foi propriamente
pela empresa, e sim por si mesma e por sua ex-namorada. Porém, a ex-companheira
não enxergava dessa maneira. Para ser sincera, ela nem queria que Clara
aceitasse a situação — queria que compreendesse que aquele esforço era
necessário para a construção de uma vida melhor para as duas.
O relacionamento de Clara carregava uma bagagem pesada: traições,
mentiras e dependências — vindas da parte da ex-companheira. Isso causou muitas
dores e traumas na jovem operadora de caixa. Mesmo assim, nunca foi motivo para
fazê-la parar de correr atrás dos seus sonhos e objetivos.
A menina de pele morena e cabelos levemente cacheados sempre carrega
consigo um sorriso sincero no rosto — mesmo que o mundo inteiro esteja
desabando aos seus pés; mesmo que seu corpo seja maltratado pelas noites mal
dormidas; mesmo que seus choros passem despercebidos ou sua mente esteja tão
desgastada a ponto de se perguntar se o que vive é real ou não. No dia
seguinte, naquele mesmo mercado, naquele mesmo caixa, lá está ela com seu
melhor sorriso e sua mais genuína simpatia — não só com os clientes, mas com
amigos e colegas de trabalho.
Voltando ao mercado...
Ao olhar para a entrada, vejo o “Antônio” passar em frente ao mercado, indo
em direção à garagem para guardar a caminhonete do Igor. Mal se passam três
minutos, e ele aparece entrando de maneira divertida no mercado.
— E então, Clara... — diz ele, com um sorriso malicioso no rosto —,
quando vamos sair para tomar uma cerveja?
Com um revirar de olhos divertido, respondo:
— Antônio, eu gosto de mulheres.
Com a minha resposta, ele solta uma gargalhada e rebate:
— Mas eu posso ser a Antônia pra você!
Não teve jeito. Quem começou a rir, balançando a cabeça em sinal de
incredulidade, fui eu.
Ao chegar em casa, avisto meu gato Bento todo jogado no sofá. Dou uma
risada nasal com a cena. Ao perceber que cheguei, ele faz a maior festa, se
esfregando nas minhas pernas. Pego-o no colo e dou logo uns beijos naquele
gorducho... e, mal se passam alguns segundos, lá estou eu cuspindo os pelos que
ficaram na boca.
Solto-o pela casa e, então, encaro o vazio daquele apartamento. Imaginar
que aqui já foi palco de brigas, discussões… mas também de sorrisos, músicas,
muito amor e carinho. Porém, para viver o lado bom, eu precisava aceitar coisas
que meu orgulho não suportava — e então o fim se fez necessário.
Espanto esses pensamentos ao perceber que estava prestes a cair numa
armadilha emocional que me machucaria até adormecer. Me apresso em neutralizar
aquele sentimento com um banho gelado.
Ao sair do banho, passo em frente ao espelho da sala. Não sei por que
milagre ele ainda está intacto, conhecendo bem o gato que tenho... Quase tudo
nessa sala foi destruído acidentalmente pelo querido Bento do meu coração.
Enfim, ao me olhar, percebo o quão maltratada estou. Os cabelos vivem
presos, as sobrancelhas mais parecem monocelhas, as olheiras denunciam noites
mal dormidas... Estou com a aparência de uma mulher abandonada — o pior,
abandonada por si mesma.
Com esses pensamentos, visto uma roupa leve e vou dormir com o propósito
de começar a me cuidar mais. Porque ninguém merece me ver nesse estado
vegetativo pós-término.
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