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quarta-feira, 25 de junho de 2025

O acaso a meu favor - Página 02

 

Pagina 02 – Capitulo 01.

Enquanto isso, a jovem Clara finalizava a contagem do seu caixa para poder fechá-lo e ir para casa. Hoje, seu plantão no mercado foi de mais de quinze horas. Clara tem cerca de vinte e dois anos e está a serviço do mercado há quase dois anos. Mesmo sendo apenas operadora de caixa, sua responsabilidade com a empresa sempre foi exemplar — nunca deu motivos para decepções.

No entanto, cada sacrifício que fez em nome da empresa teve como consequência o fim do seu relacionamento e o desgaste da sua saúde mental.

Para falar a verdade, o “sacrifício” de Clara nunca foi propriamente pela empresa, e sim por si mesma e por sua ex-namorada. Porém, a ex-companheira não enxergava dessa maneira. Para ser sincera, ela nem queria que Clara aceitasse a situação — queria que compreendesse que aquele esforço era necessário para a construção de uma vida melhor para as duas.

O relacionamento de Clara carregava uma bagagem pesada: traições, mentiras e dependências — vindas da parte da ex-companheira. Isso causou muitas dores e traumas na jovem operadora de caixa. Mesmo assim, nunca foi motivo para fazê-la parar de correr atrás dos seus sonhos e objetivos.

A menina de pele morena e cabelos levemente cacheados sempre carrega consigo um sorriso sincero no rosto — mesmo que o mundo inteiro esteja desabando aos seus pés; mesmo que seu corpo seja maltratado pelas noites mal dormidas; mesmo que seus choros passem despercebidos ou sua mente esteja tão desgastada a ponto de se perguntar se o que vive é real ou não. No dia seguinte, naquele mesmo mercado, naquele mesmo caixa, lá está ela com seu melhor sorriso e sua mais genuína simpatia — não só com os clientes, mas com amigos e colegas de trabalho.

Voltando ao mercado...

Ao olhar para a entrada, vejo o “Antônio” passar em frente ao mercado, indo em direção à garagem para guardar a caminhonete do Igor. Mal se passam três minutos, e ele aparece entrando de maneira divertida no mercado.

— E então, Clara... — diz ele, com um sorriso malicioso no rosto —, quando vamos sair para tomar uma cerveja?

Com um revirar de olhos divertido, respondo:

— Antônio, eu gosto de mulheres.

Com a minha resposta, ele solta uma gargalhada e rebate:

— Mas eu posso ser a Antônia pra você!

Não teve jeito. Quem começou a rir, balançando a cabeça em sinal de incredulidade, fui eu.


Ao chegar em casa, avisto meu gato Bento todo jogado no sofá. Dou uma risada nasal com a cena. Ao perceber que cheguei, ele faz a maior festa, se esfregando nas minhas pernas. Pego-o no colo e dou logo uns beijos naquele gorducho... e, mal se passam alguns segundos, lá estou eu cuspindo os pelos que ficaram na boca.

Solto-o pela casa e, então, encaro o vazio daquele apartamento. Imaginar que aqui já foi palco de brigas, discussões… mas também de sorrisos, músicas, muito amor e carinho. Porém, para viver o lado bom, eu precisava aceitar coisas que meu orgulho não suportava — e então o fim se fez necessário.

Espanto esses pensamentos ao perceber que estava prestes a cair numa armadilha emocional que me machucaria até adormecer. Me apresso em neutralizar aquele sentimento com um banho gelado.

Ao sair do banho, passo em frente ao espelho da sala. Não sei por que milagre ele ainda está intacto, conhecendo bem o gato que tenho... Quase tudo nessa sala foi destruído acidentalmente pelo querido Bento do meu coração.

Enfim, ao me olhar, percebo o quão maltratada estou. Os cabelos vivem presos, as sobrancelhas mais parecem monocelhas, as olheiras denunciam noites mal dormidas... Estou com a aparência de uma mulher abandonada — o pior, abandonada por si mesma.

Com esses pensamentos, visto uma roupa leve e vou dormir com o propósito de começar a me cuidar mais. Porque ninguém merece me ver nesse estado vegetativo pós-término.

 

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