Por Verônica…
Hoje, juro... não sei o que está acontecendo comigo.
Um calor sem igual, um estresse fora do comum com esses relatórios, e ainda me vem uma mulherzinha de não sei onde... Brasília, não é? — tento forçar a memória da frase: “Vou poder te levar embora?”
Reviro os olhos, tentando me concentrar no que realmente importa, mas é impossível. A cena se repete na minha cabeça como um disco riscado.
A maneira como ela — Elise, era esse o nome, se não me engano — cumprimentou a Clara, toda sorrisos e intimidades não declaradas.
E o pior... foi a forma como Clara retribuiu.
Aquele abraço, aquele riso leve, aquela expressão que nunca vi quando está comigo.
Respiro fundo, tentando aliviar o nó no peito. Em vão.
Por que aquilo me incomoda tanto?
Ela é apenas uma funcionária.
Uma simples funcionária.
Mas meu corpo parece não ter entendido essa parte.
Cada vez que ela fala, meu olhar a procura.
Cada vez que ela sorri, algo em mim se contorce.
Finjo estar atenta a tudo que Igor me diz, porque sei que o assunto é importante.
Compradores, fornecedores, trocas de mercadorias, boletos, notas… — tudo ecoa como ruído distante. Tento me concentrar, mas cada palavra parece se dissolver no ar antes de chegar até mim.
Solto um suspiro mais intenso do que pretendia. O bastante para chamar a atenção do meu irmão, que pausa o que está dizendo e me lança um olhar de leve desconfiança.
— Está tudo bem, Verônica? — pergunta, franzindo o cenho.
Respiro fundo, forçando um sorriso profissional, daqueles que usei a vida toda para esconder qualquer fraqueza.
— Tudo, tudo… só me enrolei um pouco entre um assunto e outro. — respondo, ajeitando a lapiseira entre os dedos, como se o simples gesto pudesse me ancorar à realidade.
Mas sei que ele percebeu. Igor sempre percebe.
Tento voltar aos números, às tabelas, aos contratos... mas o que me vem à mente é o rosto dela.
Clara.
A voz dela ainda ressoa em algum canto da minha cabeça — e, se eu me permitir pensar demais, talvez o controle que tanto prezo se desfaça por completo.
Já estávamos há quase uma hora naquele escritório, e boa parte desse tempo me vi presa nos meus próprios pensamentos — especificamente, no ato impulsivo que tive com Clara.
— Acho que vamos dar uma pausa... — diz Igor, olhando o celular ao ouvir o toque da Lia.
Agradeço mentalmente à minha cunhada como se ela tivesse acabado de me salvar de um incêndio. Vejo Igor levantar-se, atender e sair pela porta, deixando-me sozinha. Finalmente, posso respirar.
Encosto-me na cadeira, fecho os olhos e tento organizar o caos dentro de mim.
O que está acontecendo comigo?
Como algo tão pequeno — um toque, um olhar, uma provocação — conseguiu me desarmar dessa forma?
Sinto o corpo esquentar de novo. Um calor irritante, desconfortável, que sobe até o rosto.
— Meu Deus, que calor! — murmuro, abanando as mãos, mais para espantar o turbilhão de pensamentos do que o clima em si.
Não posso dizer que é só desejo.
Porque, no fundo, há algo mais.
Carinho.
Preocupação.
Ciúmes, talvez.
E, acima de tudo, uma estranha admiração pela maneira como ela enxerga a vida — simples, leve, livre.
Mas apaixonada?
Isso, não! — digo em voz alta, para que o som das palavras me convença da mentira.
Ainda assim, o eco do que acabo de negar volta como um lembrete incômodo.
Porque, se eu não cuidar do que estou sentindo, não vai demorar para que o inevitável aconteça.
Solto o ar e me deixo cair na cadeira, permitindo que o peso dos pensamentos me domine. O teto parece girar devagar enquanto minha mente percorre uma lista de tudo que torna isso — nós — tão errado:
o mercado, a imagem, a empresa no exterior... e a Ana.
Fecho os olhos por um instante.
E percebo, com certo desespero, que nada disso é suficiente para me convencer a parar de pensar nela.
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