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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O acaso a meu favor - Página 70

Continuação Verônica…

Não demorei. Só quis tirá-la dali.
Daquela confusão. Daquele amontoado de vozes e risadas falsas que me davam náusea.

Dirigi sem pressa, mas também sem rumo. A estrada parecia se estender só para conter o silêncio entre nós. No primeiro sinal vermelho, o celular dela vibrou — insistente, desde o momento em que deixamos aquela rua.

Virei o rosto. Ela fez o mesmo.
Não sei o que me atravessou naquele instante, só sei que cada toque recusado era uma faísca em mim. Ciúmes.

Sim — ciúmes.

Chega de fingir que não é isso. Nem para mim mesma.

— Clara… — o nome escapa num sussurro áspero. Encosto a testa no volante, respiro fundo. — Como você se envolve com gente assim? Como confia tão fácil?

Ela se vira, e o olhar que antes era doce agora é uma lâmina.

— Você acha que eu tenho bola de cristal pra saber como as pessoas ficam depois de bêbadas?

A voz dela me corta. E ainda assim, é o som mais vivo que já ouvi.

— Deveria saber! — respondo, a garganta trêmula de raiva e medo. — É a sua segurança que está em jogo, não o seu achismo!

As palavras saem mais duras do que eu queria. Mas é isso que me destrói: o simples pensamento de vê-la em perigo, de perdê-la para algo — ou alguém — que eu não posso controlar.
E por um segundo, no reflexo do vidro, vejo meu próprio rosto — tenso, vulnerável — e entendo: não é raiva.
É sentimento disfarçado de comando.


Ao me ouvir tão abruptamente, ela, emburrada, cruzou os braços e voltou o rosto para a janela. Se não fosse pela situação, eu até acharia graça da birra; mas a realidade não era tão engraçada assim.

E, mais uma vez, no meio daquele silêncio, o celular dela tocou — e eu não consegui conter o tom:

— Pelo amor de Deus, Clara! — disse eu, exasperada, e a vi levar um susto.

— Você está esperando o quê? — perguntei, jogando o cabelo para trás com uma das mãos. — Para bloquear, apagar, sumir... com o número dessa mulher no seu celular?

Ela me encarou com um sorriso risonho e um pouco confuso; e só por isso, naquele instante, se eu tivesse coragem de estrangular aquela menina, eu teria.

Mas logo o meio sorriso dela se desfez. Vi Clara abrir as mensagens diante de mim, os olhos percorrendo-as com rapidez, e então dizer, com a voz baixa e serena:

— Obrigada por ter me tirado daquela confusão.

Aquilo me desarmou por completo. Não esperava que ela cedesse tão fácil. Minha respiração se descompassou de um jeito ridículo, e só então percebi que o carro ainda estava parado no meio da rua. Por sorte, era tarde, e o trânsito já havia desaparecido.

Ela mantinha o olhar baixo, envergonhada, e, por um instante, aquilo fez algo dentro de mim afrouxar. Aquele ar doce e arrependido que ela fazia sem perceber… Deus, como é que alguém consegue me tirar o chão só por baixar a cabeça?

— E desculpa ter te envolvido nisso... — ela completou, sincera, e o som da voz dela me atingiu como um pedido de paz que eu não sabia se queria aceitar.

Senti minha respiração voltar ao ritmo normal, e, antes que perdesse o controle de novo, peguei a mochila do colo dela. Clara me olhou, sem entender, e apenas levantou os braços num gesto automático. Coloquei a mochila no banco de trás, depois alcancei o celular que estava no painel.

Sem dizer nada, entreguei o aparelho a ela, batendo-o levemente contra o peito dela — não com força, mas com firmeza.

— Resolve esse seu problema primeiro… — falei, num tom baixo e cortante. — E depois você se resolve comigo.

Ficamos ali, em silêncio. Só o som do motor e o eco da minha própria voz no ar. Ela me olhava com uma mistura de confusão e curiosidade, e eu… eu tentava não ceder à vontade absurda de puxá-la pela gola e acabar de vez com aquela distância.

Mas não. Ainda não. Primeiro, ela precisava entender com quem estava lidando.


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