Ao reconhecer a figura vibrante à minha frente, não consegui conter a alegria. Meu sorriso se abriu largo, genuíno, escapando sem pedir permissão. Caminhei apressada em sua direção, enquanto ela já se preparava para me envolver em um abraço — e não era um abraço qualquer, mas aquele que me lembrava de um tempo em que tudo parecia mais leve, mais simples.
E, no entanto, não estávamos sozinhas naquela cena. Verônica observava tudo à distância, imóvel, os óculos escorregando perigosamente até a ponta do nariz. Seus olhos analisavam cada gesto, cada emoção estampada em mim, com uma calma incômoda e uma interrogação silenciosa que se desenhava em sua testa. O calor do reencontro contrastava brutalmente com a frieza calculista de seu olhar.
Ao me desvencilhar, ainda com o calor do abraço latejando em mim, deixo escapar com um sorriso enigmático:
— Bom... agora tenho motivos fortes para ficar.
Enquanto digo isso, finjo buscar algo ao meu redor, os olhos pousando na cabeleira preta como se fosse apenas um detalhe banal. Mas sabia, no fundo, que minha frase pairava no ar carregada de um duplo sentido — forte o bastante para que Elise a recebesse como um carinho, e, ao mesmo tempo, para que Verônica, atenta como sempre, a captasse como uma provocação silenciosa.
Elise, ao ouvir minha resposta, deixou escapar um olhar entristecido, mas logo um brilho maroto tomou conta de seus olhos — como quem ainda não estava disposta a desistir.
— Bom... pelo menos se divertir uma noite comigo você não vai negar, não é mesmo? — disse em tom meio brincalhão, meio desafiador.
Sem muita certeza do que realmente queria, aceitei prontamente o convite, perguntando se o número ainda era o mesmo.
— Continua sim, princesa... — murmurou com doçura, inclinando-se para me beijar na testa. O gesto parecia inocente, mas escondia uma intenção clara, como se quisesse marcar território, mesmo que de forma silenciosa.
Ela seguiu até o caixa, onde seus amigos a aguardavam. A galera, já acostumada comigo, apenas acenou em despedida. Elise, porém, fez questão de se destacar: lançou-me um gesto insinuante, acompanhando com um sorriso que dizia mais do que as palavras — “Me liga!”
Dou risada da maneira como Elise diz, divertida com sua ousadia. Mas, ao me virar, dou de cara com uma mulher de expressão dura, a cara fechada, nitidamente nada contente com o que acabara de presenciar. O choque foi tão grande que senti o riso morrer em meus lábios antes mesmo de perceber.
Conheci Elise no ano passado, junto com o grupo de amigos dela, numa tarde bem quente — como tantas outras em Caldas Novas. Lembro-me como se fosse hoje: eu atravessava uma fase complicada, tinha acabado de descobrir mais uma das traições de Camila. Só de pensar nisso ainda sinto um nó no estômago. Foi um período desgastante, doloroso, em que eu não sabia como lidar com tanta decepção.
E talvez por estar tão fragilizada, a presença de dela tenha me chamado atenção de um jeito diferente. Não era paixão, nem desejo — era apenas curiosidade. O jeito leve dela contrastava com o peso que eu carregava, e isso, por si só, já fazia diferença.
O curioso é que tudo começou com uma confusão entre um dos amigos de Elise e Augusto. No fim, o mal-entendido foi resolvido e eles acabaram se tornando conhecidos. Mas com Elise foi diferente: não sei explicar bem, havia algo no jeito dela que despertava a minha curiosidade. Não era romance, nem desejo... apenas aquela sensação de que havia mais naquela pessoa do que ela deixava transparecer.
A química, a conversa, o olhar, o abraço... nunca chegamos a ter nada de fato. Ainda assim, na nossa última despedida, houve algo nos olhares que trocamos: uma promessa silenciosa. Se o acaso resolvesse nos dar outra oportunidade, não nos prenderíamos. Nem que fosse por uma noite, deixaríamos que a vida seguisse seu próprio ritmo.
Mas hoje já não consigo afirmar se penso ou sinto a mesma vontade de meses atrás. O que sei é que foi muito bom revê-la.
Volto minha cabeça ao presente — ou melhor, para uma certa mulher de expressão amarrada, prestes a soltar sua fúria sobre todos... ou, mais precisamente, sobre mim.
Na minha humilde opinião, achei que meu horário seria o habitual, às 15h20. Mas nada como uma deusa quase descabelada para bagunçar não apenas os seus planos, mas os meus também. Meu cérebro dizia para recusar, seguir a rotina, não me deixar levar… mas havia algo em Elise — no jeito como me olhava, no sorriso quase desafiador — que tornava impossível dizer não. Estava tentada a aceitar o convite para aquela noite, mesmo que fosse apenas para aproveitar o calor do entardecer, mesmo sabendo que talvez me arrependesse depois.
Estava eu, com minha famosa flanela surrada pendurada no ombro, quando ouço passos conhecidos atrás de mim. Estava em um dos corredores da perfumaria, limpando as prateleiras e separando um produto de cada para que Verônica imprimisse o preço — já que Augusto havia saído.
Só que, nesse exato momento, eu já havia terminado e fui pega no flagra: rindo sozinha ao responder uma mensagem no celular. Virei meu corpo completamente na direção dela, tentando decifrar suas expressões. Um misto de fúria, raiva, desconforto… e até a clara vontade de me enforcar ali mesmo. Olhei para ela e pensei: “Sério, estou vendo isso mesmo ou minha flanela surrada ganhou poderes mágicos de irritar as pessoas?”
— Preciso que dobre hoje! — Ao ouvir aquilo, senti como se um balde de água gelada tivesse sido despejado sobre mim.
Sério? Justo hoje!? — pensei, completamente frustrada, antes que as palavras escapassem sem filtro:
— Sério, Verônica? — perguntei, num tom chateado, encarando-a diretamente.
Ela, que já estava de saída, parou de repente e freou os passos. Virou-se para mim, o olhar firme.
— Como é que é? — devolveu a pergunta, vindo em minha direção.
E, nessas horas, meus amigos... precisei de todo o jogo de cintura que tinha pra não deixar as pernas fraquejarem diante daquela mulher.
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