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sábado, 5 de julho de 2025

O acaso a meu favor - Página 35

 Por Clara...

Quando Verônica passou por mim hoje, me cumprimentando, meu corpo reagiu de um jeito estranho. Por algum motivo, vê-la ali me trouxe uma sensação boa, quase um alívio. Mas, logo em seguida, me lembrei das palavras da Juliana. Na hora, me contive ao máximo e tentei me ocupar com qualquer coisa, só para evitar passar na frente daquele escritório.

Esse era o meu plano de agora em diante. Só que, quando comecei a achar que ele daria certo, Verônica mandou me chamar. Queria que eu fosse até o escritório. Naquele momento, meu corpo gelou.

Será que ela ficou sabendo dos comentários? Será que está achando que fui eu quem espalhou? Será que vai me ameaçar, dizendo que, se eu não me calar, posso ser mandado embora? Que posso acabar prejudicado no mercado?

São tantas perguntas, tantos medos misturados...

Eu só percebi que estava segurando uma flanela quando já estava de pé na frente do escritório. Era como se minha mente precisasse se agarrar a algo conhecido, algo concreto, pra não se perder na ansiedade.

Entrei esperando o pior. Depois dos comentários, das insinuações, da tensão no ar... não podia ser algo bom. Mas, conforme Verônica foi falando, as palavras não vieram como acusação, e sim como reconhecimento. E, por mais que eu tentasse resistir, aquilo me desmontou.

Senti meu corpo ceder, os ombros relaxarem, a tensão me abandonar aos poucos. E isso me fez pensar: por que a presença dela me afeta tanto? Por que o que ela diz tem esse peso sobre mim? Não é normal eu reagir assim.

A verdade é que estou começando a sentir algo que vai além da admiração profissional. É respeito, sim. É gratidão, também. Mas tem uma curiosidade, um brilho nos olhos quando ela entra na sala. Uma vontade de agradar, de ser notada — não pela chefia, mas por ela.

E isso me assusta. Porque não sei onde isso vai dar, nem se é recíproco, nem se é certo sentir isso dentro do ambiente em que estou. Mas o que sei é que, toda vez que ela fala comigo daquele jeito... eu esqueço, por um momento, de todos os riscos.

Saí da sala um pouco atordoada pelos sentimentos, mas aliviada por saber que ela não pensava o pior de mim. Meus passos ainda estavam leves demais para alguém que achava que sairia dali em apuros. Voltei para o caixa tentando retomar o foco, mas dei de cara com Augusto — e sua expressão fechada.

Assim que me viu, ele não perdeu tempo:

— Até que enfim, né? O que você aprontou pra levar um esporro tão demorado? — disse, já contornando o caixa para sair.

— Eu não tenho tempo pra ficar fazendo serviço dos outros, não! — reclamou, passando por mim sem nem me olhar direito.

Respirei fundo, tentando manter a calma. Então, soltei:

— Então, meu amigo... — ele já virava o corpo na minha direção, curioso.

— Cê reclama com ela.

Augusto parou por um segundo, me olhando como se não tivesse certeza se tinha ouvido direito.

— Como é que é? — ele perguntou, com um sorriso irônico que não chegava nos olhos. — Agora você tá mandando em quem eu devo reclamar?

— Não tô mandando em nada, Augusto — respondi, firme. — Só tô dizendo que se tá incomodado com o tempo que eu demorei, resolve com quem me chamou. Porque foi ela quem pediu pra eu ir.

— E você foi, né? Correndo. Igual um cachorrinho atrás de ossinho — ele cuspiu as palavras, carregadas de veneno. — Impressionante.

Fiquei em silêncio por um momento. O tipo de silêncio que corta mais do que grito. Ele sabia que tinha passado dos limites — e ainda assim, parecia satisfeito por isso.

— Você tá com algum problema comigo, é isso? — perguntei, encarando ele de frente.

— Não. Meu problema é com gente que esquece onde tá pisando — ele respondeu. — Com gente que acha que pode se escorar nos outros e depois posar de inocente.

— Engraçado… — respondi, cruzando os braços. — Porque, até onde eu sei, eu sempre fiz minha parte. E mais um pouco. Se alguém aqui anda se escorando, não sou eu.

Ele riu de canto, mas já não tinha resposta. Ficou apenas me encarando, como se estivesse tentando decidir se valia a pena continuar o embate ou não.

— Quer saber? — ele disse por fim, dando meia-volta. — Fica aí com tua chefe protetora.

E saiu.

Eu respirei fundo, tentando não deixar que aquilo me afetasse mais do que já tinha afetado. Mas era difícil. Porque, por trás da raiva dele, tinha algo mais. Inveja? Ciúme? Medo? Eu ainda não sabia. Mas sabia que aquela história estava longe de acabar.

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